A morte do amor
Todos os dias morre um amor.
Quase nunca percebemos, mas
todos os dias morre um amor.
Às vezes de forma lenta e
gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina.
Às vezes melodramaticamente,
como nas piores novelas
mexicanas, com direito a bate-bocas
vexaminosos, capazes de acordar
o mais surdo dos vizinhos.
Pode morrer em uma cama de motel
ou simplesmente em frente à televisão de
domingo.
Morre sem um beijo antes de
dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com um gosto salgado de lágrima
nos lábios.
Morre depois de telefonemas cada
vez mais espaçados, diálogos cada vez mais
resumidos, de beijos cada vez mais
gelados...
Morre da mais completa e letal
inanição!!!
Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na
teoria do que na prática, relutemos
em admitir.
Pode
morrer como uma explosão, seguida de um suspiro profundo (porque nada é mais dolorido que
a constatação de um fracasso), de saber que, mais uma vez, um
amor morreu.
Porque, por mais que não
queiramos aprender, a vida sempre nos ensina alguma
coisa.
Esta é a li ção: qualquer amor
pode morrer!
E todos os dias, em algum lugar
do mundo, existe um amor sendo
assassinado.
Como pista do terrível crime,
surge uma sacola de presentes
devolvidos, uma lista de palavrões sem
censura, ou o barulho insuportável do
relógio depois da discussão...
Afinal, todo crime deixa as suas
evidências!
Todos nós podemos ser um
assassino.
E podemos agir como age um
assassino:
podemos nos esconder debaixo das
cobertas, podemos nos refugiar em salas de
cinema vazias, ou preferir trabalhar que nem um
louco, ou viajar para "espairecer", ou confessar a culpa em altos
brados, fazendo do garçom o
confidente...
Mas há também aqueles que negam,
veementemente, a sua
participação no crime, e buscam por novas vítimas em
salas de bate-papo ou pistas de danceteria, sem dor ou remorso.
Os mais preclusos aproveitam
sua experiência de criminosos para escrever livros de
auto-ajuda, com a ironia de quem tem muito a
ensinar para os corações ainda puros.
Existem também os amores que
clamam por um tiro de misericórdia: ainda estão juntos mas se
comportam como um cavalo ferido, esperando ser sacrificado.
Existem também os
amores-fantasma, aqueles que se recusam a admitir
que já morreram.
São capazes de perdurar anos, como
morto-vivos sobre a Terra,
teimando em resistir apesar das
camas separadas, dos beijos frios e burocráticos,
do sexo sem tesão (se houver).
Esses não querem ser
sacrificados, mas irão definhar aos poucos,
até se tornarem laranjas
chupadas.
Existem ainda os
amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente
estado de letargia, que se refugiam em fantasias
platônicas, recordando até o fim de seus
dias o sorriso da ruivinha da
4a. série.
Ou se faz presente na fã que até
hoje suspira e delira em frente a um pôster
do Elvis Presley.
Mas eu, quase já desistindo da minha
busca, pude ainda encontrar uma outra
classificação: os amores-vencedores.
Aqueles que, apesar da luta
diária pela sobrevivência, das infinitas contas a pagar, da paixão que decresce com o
decorrer dos anos, da mesa-redonda no final de
domingo, das calcinhas penduradas no
chuveiro e das brigas que não levam a
nada, ressuscitam das cinzas e se
revelam fortes, pacientes e esperançosos.
Mas esses são raríssimos, e há
quem duvide de sua existência.
São de uma beleza tão pura e
rara que parecem lendas.
Um dia vou colocar um anúncio,
bem espalhafatoso, no jornal:
PROCURA-SE UM AMOR VENCEDOR
- oferece-se generosa
recompensa.
Mas, no fundo, sei que ele não
surgiria como por acaso...
O que esses poucos vencedores
falam é que esse amor foi suado, trabalhado, bem administrado nas
centenas de situações do cotidiano.
Não é um presente de loteria, de
sorte, nem de magia.
É simplesmente o resultado
concreto daquilo que foi um
relacionamento maduro e crescente entre duas
pessoas.