Fissuras
A parede era robusta, aparentemente inabalável.
Suportava ventos fortes e chuva intensa há anos.
Fazia parte de uma grande fortaleza, a qual ninguém
arriscava atacar porque parecia ser intransponível.
No entanto, na sua face sul, onde o sol raramente tocava
havia uma irregularidade quase imperceptível.
Era o resultado da pressa em sua execução ou, quem sabe, do
descuido de um dos executores da obra.
Agora, porém, isso pouco importava, afinal, aquela muralha
estava erigida ali há tempos e os responsáveis por ela nem mais andavam
sobre a terra.
No entanto, aquela imperfeição ao longo dos anos acabou
servindo de depósito natural da água da chuva e dos detritos trazidos pelo vento.
Aos poucos a água foi se infiltrando no muro e trilhando um
caminho próprio em busca de uma saída entre as rochas reunidas por espessa
argamassa.
Com o passar do tempo, uma fissura surgiu onde antes havia
apenas uma depressão quase invisível.
Essa fissura, alimentada pelas águas das chuvas e pelo limo
que invadira a parede úmida e fria, foi se expandindo, até tornar-se uma
assustadora rachadura.
Agora, era vista mesmo à distância, e parecia ameaçar a
solidez daquela estrutura.
O tempo corria veloz sem que providência alguma fosse
tomada.
A rachadura já corrompia a parte inferior do muro que,
atingida pela umidade, deteriorava-se a olhos vistos.
Em uma noite fria, quando o temporal ruidoso e inclemente
avançava sobre a praia próxima, a ventania atingiu a muralha com violência.
A muralha, que suportara tempos antes ventos ainda mais
fortes, desta vez não resistiu.
Corrompida pela água, que durante anos deteriorou sua base e
parte de seus materiais, a grande parede cedeu.
Tombou pesadamente como se estivesse cansada de resistir em
vão.
Como um robusto carvalho se permite um dia tombar depois de
tantos anos de majestade, também aquela murada, traída pela pequena
fissura, entregou-se à ação do tempo.
Uma simples fissura, decorrente de uma imperfeição
aparentemente insignificante, causou a queda do grande muro.
E hoje, os que passam ao lado das ruínas daquilo que um dia
já foi uma imponente fortaleza, ignoram que a destruição daquele
monumento grandioso iniciou-se com uma mera e banal rachadura.
Assim também são os vícios humanos.
Hábitos infelizes, considerados como atitudes corriqueiras e
comuns na sociedade, podem corromper grandes mentes.
Hoje são apenas "fofoquinhas" a servir de passatempo aos
desocupados.
Amanhã serão mentiras ardilosas a destruir lares e
prejudicar vidas.
Hoje são apenas goles de bebidas alcoólicas para
descontrair.
Amanhã serão drogas ainda mais pesadas a arruinar centros
nervosos e lesionar profundamente os destinos.
Hoje são pequeninas barganhas para garantir que as crianças
obedeçam.
Amanhã serão pesados subornos para realizar o que o dever já
impunha desde muito.
Os vícios surgem como pequeninas fissuras na conduta humana.
Em um primeiro momento não despertam grandes receios e
chegam, até, a ser ignorados pelos menos avisados.
No entanto, com o passar do tempo, vão se agigantando e
invadindo o espaço que deveria ser da virtude.
Abalam estruturas que pareciam sólidas e destroem futuros
venturosos.
Arrastam o ser para o lodaçal da culpa e do arrependimento,
onde se encontram chafurdados os escombros das ilusões do ontem.
Equipe de Redação do Momento Espírita.