Uma sorveteria famosa sempre lotada nos dias de calor. Sorvete
delicioso. Sabores variados. Clientela bem atendida. Homens,
mulheres, crianças, todos fazem fila e aguardam pacientemente
a sua vez. Tudo por um sorvete gostoso. Refrescante.
A menina sozinha, com o dinheiro na mão, também entrou na
fila. Esperou, sem reclamar, mesmo quando uns garotos passaram
à sua frente, sem cerimônia e sem polidez.
Quando chegou ao caixa, antes que pudesse falar qualquer
coisa, o funcionário lhe ordenou que saísse e lesse o cartaz
na porta.
Ela baixou a cabeça, engoliu em seco e saiu. E leu o cartaz,
bem grande, na porta de entrada: proibido entrar descalço!
Olhou para os seus pés descalços e sentiu as lágrimas
chegarem aos olhos. O gosto do sorvete não comprado se
diluindo na boca.
Ia se retirando, cabisbaixa, quando uma mão forte a tocou no
ombro. Era um homem alto, grande. Para a menininha, ele
parecia um gigante. Foi com ela até o meio-fio, sentou-se e
tirou os seus sapatos número 44 e os colocou em frente a ela.
Depois, a suspendeu e enfiou os pés dela nos seus sapatos.
- Eu fico aqui, esperando. - disse ele. - Vá buscar o seu
sorvete! Não tenho pressa.
Ela foi deslizando os pés, arrastando os sapatos, até o
caixa. Comprou sua ficha e saiu, vitoriosa, com seu sorvete na
mão.
Quando foi devolver os sapatos para aquele homem, de pés
grandes, barriga grande, ela se deu conta de que se ele tinha
pés enormes, muito maior ainda era o seu coração.
Amar ao próximo é fazer a alegria de alguém, por mais
insignificante que ela possa parecer. É ter olhos de ver a
necessidade embutida nos olhos tristes. É ter ouvidos de
ouvir os soluços afogados na garganta e os pedidos jamais
expressos. Amar ao próximo é simplesmente ter a capacidade
de olhar um pouco além de si mesmo.