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O que mais
você quer?
Era uma
festa
familiar,
destas que
reúnem tios,
primos, avós
e alguns
agregados
ocasionais
que ninguém
conhece
direito, e
que por isso
mesmo são
aqueles com
quem a gente
logo se
entende.
Jogada no
sofá, uma
prima não
estava lá
muito
sociável, a
cara era de
enterro.
Quieta,
olhava para
a parede
como se ali
fosse
encontrar a
resposta
para a
pergunta que
certamente
martelava em
sua cabeça:
o que estou
fazendo
aqui? De
soslaio,
flagrei a
mãe dela
também
observando a
cena,
inconsolável,
ao mesmo
tempo em que
comentava
com uma tia.
“Olha pra
essa menina.
Sempre com
esta cara.
Nunca está
feliz. Tem
emprego,
marido,
filhos. O
que ela pode
querer
mais?”
Nada é tão
comum quanto
resumirmos a
vida de
outra pessoa
e achar que
ela não pode
querer mais.
Fulana é
linda, jovem
e tem um
corpaço, o
que mais ela
quer?
Sicrana
ganha rios
de dinheiro,
é valorizada
no trabalho
e vive
viajando, o
que é que
lhe falta?
É quase um
pecado
confessar:
sim, quero
mais. Quero
não ter
nenhuma
condescendência
com o tédio,
não ser
forçada a
aceitá-lo na
minha rotina
como um
inquilino
inevitável.
A cada
manhã, exijo
ao menos a
expectativa
de uma
surpresa,
quer ela
aconteça ou
não.
Expectativa,
por si só,
já é um
entusiasmo.
Quero que o
fato de ter
uma vida
prática e
sensata não
me roube o
direito ao
devaneio.
Que eu nunca
aceite a
idéia de que
a maturidade
exige um
certo
conformismo.
Que eu não
tenha medo
nem vergonha
de ainda
desejar.
Quero uma
primeira vez
outra vez.
Um primeiro
beijo em
alguém que
ainda não
conheço, uma
primeira
caminhada
por uma nova
cidade, uma
primeira
estréia em
algo que
nunca fiz,
quero seguir
desfazendo
as
virgindades
que ainda
carrego,
quero ter
sensações
inéditas até
o fim dos
meus dias.
Quero
ventilação,
não morrer
um pouquinho
a cada dia
sufocada em
obrigações e
em
exigências
de ser a
melhor mãe
do mundo, a
melhor
esposa do
mundo, a
melhor
qualquer
coisa.
Gostaria de
me
reconciliar
com meus
defeitos e
fraquezas,
arejar minha
biografia,
deixar que
vazem
algumas
idéias
minhas que
não são
muito
abençoáveis.
Queria não
me sentir
tão
responsável
sobre o que
acontece ao
meu redor.
Compreender
e aceitar
que não
tenho
controle
nenhum sobre
as
emoções
dos outros,
sobre suas
escolhas,
sobre as
coisas que
dão errado e
também sobre
as que dão
certo. Me
permitir ser
um pouco
insignificante.
E na minha
insignificância,
poder
acordar um
dia mais
tarde sem
dar
explicação,
conversar
com
estranhos,
me divertir
fazendo
coisas que
nunca
imaginei,
deixar de
ser tão
misteriosa
pra mim
mesma, me
conectar com
as minhas
outras
possibilidades
de existir.
O que eu
quero mais?
Me escutar e
obedecer o
meu lado
mais
transgressor,
menos
comportadinho,
menos refém
de reuniões
familiares,
maridos e
filhos e
bolos de
aniversário
e
despertadores
na
segunda-feira
de manhã.
E quero mais
tempo livre.
E mais
abraços.
E receber
mais flores.
Pois é,
ninguém está
satisfeito.
Ainda bem.
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