|
Conversa de amor
Ele caminhava pela rua e de repente tudo ficou claro. Tão claro que teve
vontade de sair gritando; pois a descoberta foi dessas definitivas. Eis
o que fez clarão na mente dele: amar é a capacidade de suportar a
ausência.
E ele havia terminado seu caso amoroso porque ela não sabia suportar-lhe
a ausência. Isso bastou para levá-lo à conclusão - errônea e
ciumenta,
de que ela não suportava a dele porque sua presença não era forte o
suficiente para permanecer com ela nas horas em que ele não estava.
Ele confidenciava isso ao amigo mais querido, nos tragos iniciais do
pileque formidável que tomariam naquela noite, (o amigo por hábito, ele
por fossa)!
Pouco a pouco foi se soltando, e disse:
"Se ela gostasse mesmo de mim, saberia fazer das ausências uma presença
forte, muita recordação, prazer, intensa fantasia, esperança, saudade do
meu cheiro, sei lá. Mas ela não sabia suportar minha ausência. Até
entendia e aceitava: só que não suportava. Para ela, a condição do amor
era a presença. Sabia como nenhuma outra fazer as presenças
maravilhosas.
E eram tão boas as nossas presenças, que quando sobrevinham as
ausências, doíam tanto que ela não aceitava, ficava carente,
saía
por
aí, ia a festas, expunha-se a paqueras incríveis, a admiradores, a
envolvimentos nos quais não se metia por infidelidade natural, mas dos
quais precisava para se sentir amparada, amada, querida.
Chegava pertinho e várias vezes deu-se mal. Precisava arriscar a relação
comigo para sentí-la forte. Arriscou tanto que agora perdeu", concluiu.
O amigo protestou, veemente:
"Você está sendo egoísta e machista. Você quer uma mulher que não
possui, embora o ame e seja por você amada, compreende que não poderá
jamais tê-la?
Isso é irrealismo. Isso não existe.
Mulher não aceita. Isso é machismo
torpe! A natureza fez as mulheres necessitadas de convivência, de
amarração.
Em toda a natureza, o homem é o bicho nômade, mas a fêmea possui maior
sentido de proximidade, união.
A família é invenção das mulheres, e isso porque elas são mais
sensíveis, sábias e inteligentes".
Incapaz de raciocinar, ele acrescentou: "Pode ser machismo, egoísmo, o
que você quiser. Também me acho um atrasadão, um lixo de pessoa. Mas na
minha cabeça torta, não consigo aceitar
alguém
que se expõe a novas
conquistas apenas porque não me tem com ela.
Se gostasse mesmo de mim, suportaria a minha ausência".
E assim falantes, foram-se os dois pela noite, a tentar, resolver o
enigma do amor.
Até se cansar, beberam muito, e bêbados também de dúvidas, foram para
suas casas dormir; anestesia geral, para no dia seguinte tudo recomeçar
e a vida
prosseguir, cheia de contradições e vazia de respostas.
www.rivalcir.com.br
|
|