Aspectos do Sofrimento
Era um dia
quente de verão naquela cidade do interior do sul do Brasil. Mas apesar do calor
a vida deveria seguir seu curso, normalmente. O jovem trabalhador acordou cedo,
como de costume, e enfrentou a alta temperatura com bom ânimo e coragem.
Trabalhou o dia todo, atendeu pessoas, suou muito, e, ao final da tarde estava
exausto. Gostaria de ir para casa, tomar um banho, descansar, mas ainda teria
que enfrentar uma sala de aula, sem ar condicionado. "Sou um infeliz!", pensou
consigo mesmo. Mas o que fazer? Era preciso ir para a Universidade, pois era
cumpridor de seus deveres e a responsabilidade o chamava.
Jogou rapidamente um pouco de água fresca no rosto, pegou a tradicional pasta
com os materiais de estudo, e lá se foi... Caminhava pelas ruas e sentia mais e
mais o desconforto do calor, a roupa úmida de suor, e se sentia ainda mais
infeliz. "Oh vida dura! Não ter tempo nem para tomar um banho para aliviar a
canseira, é demais"... Pensava.
"Ainda se eu tivesse um carro para não ter que enfrentar esse calor infernal do
asfalto!"... Subia uma ladeira, cabisbaixo, mergulhado nos próprios pensamentos,
quando escutou, ao longe, uma melodia que alguém assoviava, com musicalidade e
alegria.
Olhou para trás, mas não avistou ninguém. Intrigado com o assovio que se tornava
mais próximo a cada passo, percebeu que a sua frente algo se movia lentamente.
Apressou o passo e foi se aproximando de um homem que se arrastava, lentamente,
ladeira acima, com o auxílio das mãos.
O homem não tinha pernas, e uma lona de borracha envolta no que restara de suas
coxas eram seus sapatos... Como seus passos eram demasiado lentos, ele podia
assoviar, admirar a paisagem, agradecer a Deus pela vida... O jovem, diante
daquela cena, sentiu-se profundamente constrangido.
Como pudera ter se deixado levar por tamanha ingratidão e infelicidade, por tão
pouco?!... Olhando a situação daquele homem que se movia com tanta dificuldade e
expressava sua alegria assoviando, ele ergueu a cabeça e seguiu com outra
disposição de ânimo.
Agora ele já não se achava a mais infeliz das criaturas, só porque o
suor e o cansaço o incomodavam no momento...
O sofrimento tem a dimensão que nós lhe damos. Por vezes, mergulhamos de tal
forma nos próprios problemas que não percebemos que eles são pequenos demais
para nos tirar a disposição e a alegria de viver.
Há momentos em que as nossas lágrimas nos impedem de perceber o remédio, que
está ao alcance de nossas mãos. Às vezes é preciso que se apresente uma situação
mais grave que a nossa, ou um problema maior, para que possamos avaliar as reais
dimensões de nossos sofrimentos.
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