Quem é Irracional?
De vez em
quando surgem umas histórias que todos que contam juram ser verdade e até dizem
que têm um primo que conheceu a vizinha da sobrinha da pessoa com a qual
aconteceu. Agora pintou uma nova. Simplesmente genial. Quem me contou
garante que aconteceu na Granja Viana, bairro de classe média alta em São Paulo,
na semana passada.
Eram dois vizinhos. O primeiro vizinho comprou um coelhinho para os filhos. Os
filhos do outro vizinho pediram um bicho para o pai. O doido comprou um pastor
alemão. Papo de vizinho:
- Mas ele vai comer o meu coelho.
- De jeito nenhum. Imagina. O meu pastor é filhote. Vão crescer juntos, pegar
amizade. Entendo de bicho. Problema nenhum.
E parece que o dono do cachorro tinha razão. Juntos cresceram e amigos ficaram.
Era normal ver o coelho no quintal do cachorro e vice-versa. As crianças,
felizes.
Eis que o dono do coelho foi passar o final de semana na praia com a família e o
coelho ficou sozinho. Isso na sexta-feira. No domingo de tardinha, o dono do
cachorro e a família tomavam um lanche, quando entra o pastor alemão na cozinha.
Pasmo.
Trazia o coelho entre os dentes, todo imundo, arrebentado, sujo de terra e, é
claro, morto. Quase mataram o cachorro.
- O vizinho estava certo... E agora, meu Deus?
- E agora?
A primeira providência foi bater no cachorro, escorraçar o animal, para ver se
ele aprendia um mínimo de civilidade e boa vizinhança. Claro, só podia dar
nisso. Mais algumas horas e os vizinhos iam chegar. E agora? Todos se olhavam. O
cachorro rosnando lá fora, lambendo as pancadas.
- Já pensaram como vão ficar as crianças?
- Cala a boca, porra!
Não se sabe exatamente de quem foi a idéia, mas era infalível. Vamos dar um
banho no coelho, deixar ele bem limpinho, depois a gente seca com o secador da
sua mãe e coloca na casinha dele no quintal.
Como o coelho não estava muito estraçalhado, assim fizeram. Até perfume
colocaram no falecido. Ficou lindo, parecia vivo, diziam as crianças. E lá foi
colocado, com as perninhas cruzadas, como convém a um coelho cardíaco.
Umas três horas depois eles ouvem a vizinhança chegar. Notam o alarido e os
gritos das crianças. Descobriram! Não deram cinco minutos e o dono do coelho
veio bater à porta. Branco, lívido, assustado. Parecia que tinha visto um
fantasma.
- O que foi? Que cara é essa?
- O coelho... O coelho...
- O que que tem o coelho?
- Morreu!
- Morreu? Inda hoje de tarde parecia tão bem...
- Morreu na sexta-feira!
- Na sexta?
- Foi. Antes de a gente viajar as crianças enterraram ele no fundo do quintal!
A história termina aqui, neste domingo, de noite. O que aconteceu depois não
interessa. Nem ninguém sabe. Mas o personagem que mais me cativa nesta história
toda, o protagonista da história, é o cachorro.
Imagine o pobre do cachorro que, desde sexta-feira, procurava em vão pelo amigo
de infância, o coelho. Depois de muito farejar descobre o corpo. Morto.
Enterrado.
O que faz ele? Provavelmente com o coração partido, desenterra o pobrezinho e
vai mostrar para os seus donos. Provavelmente estivesse até chorando, quando
começou a levar porrada de tudo quanto é lado.
O cachorro é o herói. O bandido é o dono do cachorro. O ser humano. Sim, nós
mesmos, que não pensamos duas vezes. Para nós o cachorro é o irracional, o
assassino confesso.
E o homem continua achando que um banho, um secador de
cabelos e um perfume disfarçam a hipocrisia. o animal desconfiado que tem dentro
de nós.
Julgamos os outros pela aparência, mesmo que tenhamos que deixar esta aparência
como melhor nos convier. Maquiada.
Coitado do cachorro. Coitado do dono do cachorro. Coitados de nós, animais
racionais.
Enviada por David Forli
www.rivalcir.com.br
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