Garoto das meias vermelhas
Ele era um
garoto triste. Procurava estudar muito. Na hora do recreio ficava afastado dos
colegas, como se estivesse procurando alguma coisa.
Todos os outros meninos zombavam dele, por causa das suas meias vermelhas.
Um dia, o cercaram e lhe perguntaram porque ele só usava meias vermelhas. Ele
falou, com simplicidade: "no ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me
levou ao circo.
Colocou em mim essas meias vermelhas. Eu reclamei. Comecei a chorar. Disse que
todo mundo iria rir de mim, por causa das meias vermelhas.
Mas ela disse que tinha um motivo muito forte para me colocar as meias
vermelhas. Disse que se eu me perdesse, bastaria ela olhar para o chão e quando
visse um menino de meias vermelhas, saberia que o filho era dela."
"Ora", disseram os garotos. "mas você não está num circo. Por que não tira essas
meias vermelhas e as joga fora?"
O menino das meias vermelhas olhou para os próprios pés, talvez para disfarçar o
olhar lacrimoso e explicou: "é que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi
embora. Por isso eu continuo usando essas meias vermelhas. Quando ela passar por
mim, em qualquer lugar em que eu esteja, ela vai me encontrar e me levará com
ela."
Muitas almas existem, na Terra, solitárias e tristes, chorando um amor que se
foi. Colocam meias vermelhas, na expectativa de que alguém as identifique, em
meio à multidão, e as leve para a intimidade do próprio coração.
São crianças, cujos pais as deixaram, um dia, em braços alheios, enquanto eles
mesmos se lançaram à procura de tesouros, nem sempre reais.
Lesadas em sua afetividade, vivem cada dia à espera do retorno dos amores, ou de
alguém que lhes chegue e as aconchegue.
Têm sede de carinho e fome de afeto. Trazem o olhar triste de quem se encontra
sozinho e anseia por ternura.
São idosos recolhidos a lares e asilos, às dezenas. Ficam sentados em suas
cadeiras, tomando sol, as pernas estendidas, aguardando que alguém identifique
as meias vermelhas.
Aguardam gestos de carinho, atenções pequenas. Marcam no calendário, para não se
perderem, a data da próxima visita, do aniversário, da festividade especial.
Aguardam...
São homens e mulheres que se levantam todos os dias, saem de casa, andam pelas
ruas, sempre à espera de alguém que partiu, retorne.
Que o filho que tomou o rumo do mundo e não mais escreveu, nem deu notícia
alguma, volte ao lar.
São namorados, noivos, esposos que viram o outro sair de casa, um dia, e esperam
o retorno.
Almas solitárias. Lesadas na afetividade. Carentes.
Pense nisso!
O amor, sem dúvida, é lei da vida. Ninguém no mundo pode medir a resistência de
um coração quando abandonado por outro.
E nem pode aquilatar da qualidade das reações que virão daqueles que emurchecem
aos poucos, na dor da afeição incompreendida.
Todos devemos respeito uns aos outros. Somos responsáveis pelos que cativamos ou
nos confiam seus corações.
Se alguém estiver usando meias vermelhas, por nossa causa, pensemos se esse não
é o momento de recompor o que se encontra destroçado, trabalhando a terra do
nosso coração.
A maior de todas as artes é a arte de viver juntos.
(Carlos Heitor Cony)
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