O Amanhã pode
esperar
Quando eu era criança, ouvia falar muito de um tal Zé Carrasco, soldado temido
da pequena Cadeia Pública do local onde morávamos, na época.
É que o Zé Carrasco pegava os presos, mandava que outros dois guardas os
segurassem com os braços para trás e desferia violentos golpes na boca do
estômago dos encarcerados ou dos que lá chegavam, por apenas uma briga ou uma
bebedeira.
Na verdade ele nem queria saber o motivo. O negócio dele era esmurrar à revelia,
desde que as vítimas estivessem impossibilitadas de reagir ou de se defender.
Soube recentemente que o tal Zé Carrasco morreu de forma lenta e dolorosa com
câncer no estômago. Seria a tal lei do retorno?
Mas esta pequena história é apenas para narrar algo que acontece com a gente (
comigo e com você) na vida real.
Quer ver quantas vezes aparece um tal Zé Carrasco no seu dia-a-dia?
Suponha que você esteja apertadíssimo financeiramente e coloca o seu imóvel à
venda:
o Zé Carrasco sonda daqui, sonda dali, fareja o cheiro da sua precária situação
financeira e então aparece com uma proposta indecente para o seu imóvel, após
ter esparramado para a cidade inteira que a casa está cheia de problemas e que
será péssimo negócio para quem a comprar (menos para ele, é claro).
Suponha que você andou passando uma situação traumática, tipo perda de um ente
querido, ou uma separação, ou filhos dando trabalho... de repente seu cérebro
fica lento e confuso e você não consegue exercer seu ofício com a costumeira
destreza.
Nossa! Aparecerão dezenas de Zé Carrascos, prontinhos para lhe passar uma
rasteira e tomar o seu cargo, enquanto você tenta se refazer do seu trauma e da
sua momentânea fragilidade, no afastamento que o médico lhe recomendou.
Você já ouviu falar daquele caso onde pessoas disputavam uma vaga importante e
uma pessoa com todos os requisitos para tal vaga foi preterida, porque uma outra
pessoa (sem preparo algum) tinha um tio Zé Carrasco importante lá no alto
escalão que se encarregou de mandar os outros concorrentes para o espaço?
Tem também o Zé Carrasco-pega-carona.
Este cara, por alguma razão tem uma bronca enorme de você mas não tem coragem de
enfrentá-lo, muito menos de dizer na sua cara o quanto ele o odeia (ou o inveja,
vai saber). Então o que faz o Zé Carrasco? Ele pega carona numa briga que só diz
respeito a você e à outra parte e, sem ao menos inteirar-se a fundo do que está
acontecendo, junta-se ao seu inimigo e aproveita a situação para despejar (
usando o outro) toda a fúria que ele mesmo não tem coragem de expor a você, por
covardia.
Olha que a vida está cheia de Zé Carrascos astuciosos e covardes por toda parte.
É Zé Carrasco quem oferta sub-emprego alegando a crise, mas desfila num carrão
importado.
É Zé Carrasco a madame que exclui da sua festa uma mulher bonita pelo fato de
ela ser separada.
É Zé Carrasco o editor ou produtor que ganha dinheiro em cima do ideal criativo
de alguém que não tem condição de bancar a própria arte.
É Zé Carrasco quem, imbuído de um mísero poder qualquer, abusa dele com assédio
moral ou outros abusos.
É Zé Carrasco quem sistematicamente serra o seu banquinho e se puder lhe fecha
todas as portas para que você não faça sombra.
É Zé Carrasco quem desdenha para comprar mais barato.
É Zé Carrasco quem bota filhos no mundo e depois some para esquivar-se da pensão
alimentícia.
É Zé Carrasco quem jamais lhe devolve um elogio ou retribui uma bondade, mas tem
a lista de todos os seus defeitos na ponta da língua e manda ver, sempre que tem
oportunidade para tal.
É Zé Carrasco qualquer pseudo-religioso que faz uma doce promessa de paz, amor e
salvação na hora da sua crise e depois mostra as garras obrigando-o a pagar um
oneroso "dízimo" pelos serviços prestados.
É Zé Carrasco quem não tem coragem de enfrentá-lo e usa uma terceira pessoa para
fazer o serviço.
É Zé Carrasco aquele seu omisso amigo(a) que bem poderia ter-lhe dado uma
forcinha quando você precisou, mas lavou as mãos feito Pilatos.
É Zé Carrasco quem faz conluios, quem distorce as suas palavras, quem o difama
mesmo sabendo que você não deve e está inocente porque, de uma forma ou de
outra, você constituiu-se num paradigma que ele, por não saber resolver,
preferiu banir.
É Zé Carrasco quem dissemina uma confidência feita em momento de aflição e o
joga na cova dos leões...e por aí vai.
Eles esperam o momento da sua fragilidade e ao perceberem que você está de mãos
atadas, vão socar seu estômago sem piedade!Como sobreviver a isto?
Aguarde... chegará uma hora que suas mãos estarão livres e você poderá ao menos
se defender.
Dependendo do seu temperamento, você poderá também socá-lo quando ele estiver
com os braços presos. Se você for do tipo boa índole por natureza, tentará
dar-lhe uns conselhos ou quem sabe tentar regenerá-lo, mas não bobeie. Pau que
nasce torto morre torto.
Como já dizia a canção da Alcione, "temos que encarar um desacato e se não
podemos ver no ato, o amanhã pode esperar!"
(Fátima Irene Pinto)
www.rivalcir.com.br
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