Paineiras
Frondosas paineiras ornamentavam a bucólica pracinha. Na sombra amiga
sempre cabia mais um: um viajante, uma criança, um ancião, um tabuleiro
de doce, um carrinho de pipocas ou um bate-papo descontraído. Um manto
que se esparramava impregnado de suaves brisas...
Testemunhas de uma época, quantos amores, desamores, negócios, encontros
e desencontros presenciaram. Suas flores espalhavam um misto de candura
e encantamento, cativando as atenções, colorindo o modesto largo de um
tom mavioso e celestial. Paineiras amigas que resguardavam o cavalo na
carroça ou simplesmente o cavalo arreado, enquanto seus donos iam
"esquentar a goela” ou comprar o sustento do cotidiano.
A
pracinha estava rodeada de uma dezena delas, todas enormes, chamando os
transeuntes para uma parada gostosa e refrescante De ar provinciano,
coloquial, amparavam a todos sem distinção, assim como a saia da mãe ou
o rabo de fogão do velho casarão que sempre cabia mais um filho, à
procura de apoio ou de uma caçarola de pipoca. Circundavam toda a
pracinha, recolhendo a todos para um truque relaxante ou para o
reencontro de velhos amigos.
A
pequena cidade e as paineiras viviam de mãos dadas, uma namorando a
outra. Almas gêmeas. A vilazinha, contudo, necessitava mais dessas
árvores do que estas daquela. Quase tudo girava sob as suas sombras: a
compra de uma melancia, de laranjas, de um mamão, de um palmito amargo
ou de um doce caseiro. Mais parecia um mercado persa.
Frondosas paineiras que se agigantavam à medida que o tempo ia passando,
que alegravam a pequenina cidade sem nada pedir, que forneciam sombra,
flores e frutos, estes últimos utilizados na feitura de colchões e
travesseiros de outrora, que foram úteis por duas décadas. Por longos
anos, condignamente, conviveram com as alegrias e tristezas da
cidadezinha. Uma existência só espalhando o bem, o bom e o saudável.
Em
meio a toda essa beleza campestre, puderam presenciar o resplendor de
áureos tempos, de exuberante movimento mercantil e de entusiasta corrida
à abertura de nossos sertões. No entanto, quando o verdor era mais
intenso, quando o esplendor mais aflorava, quando pareciam mais alegres,
chegou alguém fantasiado de verdugo, falando num tal de progresso, num
tal de jardim público, num tal de modernismo e por isso haveria a
necessidade de extirpá-las.
As
paineiras espantadas, tristonhas, silenciosas pareciam chorar. Indefesas
e dóceis iam tombando uma a uma levando em suas quedas sonhos e
fantasias juras e perjuras, ilusões e realizações. Como em tudo a
limitação havia chegado. Cardoso e as paineiras choraram juntas.
(Dorival Groggia Ribeiro)