"Até a vitória, sempre!" (Ernesto Che Guevara)

 


Paineiras

Frondosas paineiras ornamentavam a bucólica pracinha. Na sombra amiga sempre cabia mais um: um viajante, uma criança, um ancião, um tabuleiro de doce, um carrinho de pipocas ou um bate-papo descontraído. Um manto que se esparramava impregnado de suaves brisas...

Testemunhas de uma época, quantos amores, desamores, negócios, encontros e desencontros presenciaram.  Suas flores espalhavam um misto de candura e encantamento, cativando as atenções, colorindo o modesto largo de um tom mavioso e celestial. Paineiras amigas que resguardavam o cavalo na carroça ou simplesmente o cavalo arreado, enquanto seus donos iam "esquentar a goela” ou comprar o sustento do cotidiano.

A pracinha estava rodeada de uma dezena delas, todas enormes, chamando os transeuntes para uma parada gostosa e refrescante De ar provinciano, coloquial, amparavam a todos sem distinção, assim como a saia da mãe ou o rabo de fogão do velho casarão que sempre cabia mais um filho, à procura de apoio ou de uma caçarola de pipoca. Circundavam toda a pracinha, recolhendo a todos para um truque relaxante ou para o reencontro de velhos amigos.

A pequena cidade e as paineiras viviam de mãos dadas, uma namorando a outra. Almas gêmeas. A vilazinha, contudo, necessitava mais dessas árvores do que estas daquela. Quase tudo girava sob as suas sombras: a compra de uma melancia, de laranjas, de um mamão, de um palmito amargo ou de um doce caseiro. Mais parecia um mercado persa.

Frondosas paineiras que se agigantavam à medida que o tempo ia passando, que alegravam a pequenina cidade sem nada pedir, que forneciam sombra, flores e frutos, estes últimos utilizados na feitura de colchões e travesseiros de outrora, que foram úteis por duas décadas. Por longos anos, condignamente, conviveram com as alegrias e tristezas da cidadezinha. Uma existência só espalhando o bem, o bom e o saudável.

Em meio a toda essa beleza campestre, puderam presenciar o resplendor de áureos tempos, de exuberante movimento mercantil e de entusiasta corrida à abertura de nossos sertões. No entanto, quando o verdor era mais intenso, quando o esplendor mais aflorava, quando pareciam mais alegres, chegou alguém fantasiado de verdugo, falando num tal de progresso, num tal de jardim público, num tal de modernismo e por isso haveria a necessidade de extirpá-las.

As paineiras espantadas, tristonhas, silenciosas pareciam chorar. Indefesas e dóceis iam tombando uma a uma  levando em suas quedas sonhos e fantasias  juras e perjuras, ilusões e realizações. Como em tudo a limitação havia chegado. Cardoso e as paineiras choraram juntas.


(Dorival Groggia Ribeiro)


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