Jogo de cintura
Quando afinal, tudo estava certo, no lugar exato, se encaixando, tudo mudou.
Outra vez.
A história era bem aquela, as coisas não eram bem assim, o caminho não é mais
aquele, a pessoa não era tão legal, o namoro acabou, o casamento gorou, o
emprego dançou. De repente, o susto de novo, a falta de chão. Tudo que era deixa
de ser. Muda o panorama, o horizonte, a perspectiva, a vida. Canseira, preguiça,
raiva.
Quando chegará a minha vez? Nunca. Pelo menos não desse jeito que a gente
fantasia "a nossa vez". Não existe um momento estático em que tudo fica em um
determinado jeito ruim, nem um determinado jeito bom. O bom e o ruim passam. Só
há uma coisa segura, certa e imutável na vida: nada é seguro, certo e imutável.
Por isso, não adianta ficar esperando a vez chegar. A vez já chegou, está sendo
agora, o melhor a fazer é aproveitar a mudança para ver, refletir, mudar o ponto
de observação, considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros
meios de conhecimento.
Não adianta olhar pra trás e curtir aquela dorzinha funda, por trás da mudança:
infelicidade de agora lembrando da felicidade de ontem.
Mais construtivo é viver com a mudança. Algumas reflexões que passam pela minha
cabeça, quando me vejo na situação de enfrentar a mudança.
Não é bom controlar o mundo lá fora, segurar, prender, forçar para que as coisas
se encaixem em um jogo de quebra-cabeça criado pela nossa imaginação.
Controlar o de fora é impossível. Quebra! O negócio não é esperar que o mundo se
adapte a nós. Nós temos que mudar para estar em harmonia com a nova situação lá
fora.
Ter flexibilidade. Jogo de cintura. Ser leve. Retirar peso. Flutuar como pluma,
dançar com o vento, sem resistência, sem oposição.
Pensar que a mudança por pior que seja, sempre traz com ela um certo alívio.
Passado um período difícil de transição, cheio de incerteza e confusão, vem o
prazer da descoberta do novo, o novo lugar, o novo ambiente, a nova alegria e a
esperança da reconstrução.
O movimento cai, levanta, constrói; cai, levanta, constrói, de novo e de novo
enrijece o músculo, aumenta a elasticidade, a força, o jogo de cintura, a
capacidade de viver melhor a vida.
Sobretudo não ter medo de perder. Com medo de perder, não se arrisca. Com medo
de morrer não se vive.
Lembrar que na praia, cada onda que cresce e se desenvolve deve à sua beleza, ao
desmanchar da onda que a procedeu. E considerar as perdas como batalhas, não
como a grande guerra.
Enfrentar o momento da partida, mesmo quando não se tem um lugar certo para ir.
Abrir para o desconhecido, deixar o desconhecido entrar e atrapalhar.
Olhar a mudança como o natural e não a exceção. A surpresa, a coisa ruim. Viver
é um processo. Mudança é vida. Só não muda quem está morto. E nós estamos
"vivinhos da Silva".
(Fátima Ali)
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