"Sempre há um pouco de loucura no amor, porém sempre
há um pouco de razão na loucura".
(F. Nietzshe)

 


Jogo de cintura

Quando afinal, tudo estava certo, no lugar exato, se encaixando, tudo mudou. Outra vez. A história era bem aquela, as coisas não eram bem assim, o caminho não é mais aquele, a pessoa não era tão legal, o namoro acabou, o casamento gorou, o emprego dançou. De repente, o susto de novo, a falta de chão. Tudo que era deixa de ser. Muda o panorama, o horizonte, a perspectiva, a vida. Canseira, preguiça, raiva.

Quando chegará a minha vez? Nunca. Pelo menos não desse jeito que a gente fantasia "a nossa vez". Não existe um momento estático em que tudo fica em um determinado jeito ruim, nem um determinado jeito bom. O bom e o ruim passam. Só há uma coisa segura, certa e imutável na vida: nada é seguro, certo e imutável.

Por isso, não adianta ficar esperando a vez chegar. A vez já chegou, está sendo agora, o melhor a fazer é aproveitar a mudança para ver, refletir, mudar o ponto de observação, considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento. Não adianta olhar pra trás e curtir aquela dorzinha funda, por trás da mudança: infelicidade de agora lembrando da felicidade de ontem. Mais construtivo é viver com a mudança. Algumas reflexões que passam pela minha cabeça, quando me vejo na situação de enfrentar a mudança.

Não é bom controlar o mundo lá fora, segurar, prender, forçar para que as coisas se encaixem em um jogo de quebra-cabeça criado pela nossa imaginação. Controlar o de fora é impossível. Quebra! O negócio não é esperar que o mundo se adapte a nós. Nós temos que mudar para estar em harmonia com a nova situação lá fora. Ter flexibilidade. Jogo de cintura. Ser leve. Retirar peso. Flutuar como pluma, dançar com o vento, sem resistência, sem oposição. Pensar que a mudança por pior que seja, sempre traz com ela um certo alívio.

Passado um período difícil de transição, cheio de incerteza e confusão, vem o prazer da descoberta do novo, o novo lugar, o novo ambiente, a nova alegria e a esperança da reconstrução. O movimento cai, levanta, constrói; cai, levanta, constrói, de novo e de novo enrijece o músculo, aumenta a elasticidade, a força, o jogo de cintura, a capacidade de viver melhor a vida.

Sobretudo não ter medo de perder. Com medo de perder, não se arrisca. Com medo de morrer não se vive. Lembrar que na praia, cada onda que cresce e se desenvolve deve à sua beleza, ao desmanchar da onda que a procedeu. E considerar as perdas como batalhas, não como a grande guerra.

Enfrentar o momento da partida, mesmo quando não se tem um lugar certo para ir. Abrir para o desconhecido, deixar o desconhecido entrar e atrapalhar. Olhar a mudança como o natural e não a exceção. A surpresa, a coisa ruim. Viver é um processo. Mudança é vida. Só não muda quem está morto. E nós estamos "vivinhos da Silva".


(Fátima Ali)
 

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