Recebendo anjos
Bons tempos, bons tempos, os bíblicos. Imagine receber um anjo hoje.
Um deles já pode ter estado com você, e você não o reconheceu. A função dele era
aparecer e lhe dar a mensagem. A sua única obrigação era recebê-lo, mas você não
soube que era ele. Você se afastou, achou que era um chato, ou um louco, falhou,
azar.
Pode ter sido há anos.
Aquele que caminhou ao seu lado brevemente e disse uma coisa estranha e você
apressou o passo, lembra? Aquele (ou aquela, eles vêm de várias formas) que
sentou ao seu lado e falou no tempo, e era um preâmbulo para a revelação, mas
você fechou a cara.
Ele pode ter batido na sua porta e você foi logo dando uma esmola, ou dizendo
que hoje não tem nada, ou ameaçando chamar a polícia. Antes era mais fácil,
agora é tarde. Hoje ele bate na porta e você espia e não abre a porta, ta doido?
Se ele se aproximar de você na rua, você correrá apavorado ou anunciará que está
armado e que é melhor ele se afastar.
Se ele se sentar ao seu lado, você fugirá
do contágio, se ele segurar o seu braço, você gritará. Se ele telefonar, sua
secretária eletrônica dirá para ele deixar a mensagem depois do bip e ele não
dirá nada: a mensagem é para você e não para ela.
E se ele conseguir alcançar você sem que você lhe dê um pontapé, e cumprir sua
função, e der a mensagem você não a compreenderá. Pedirá para ele falar mais
alto, há muito barulho. “O quê? Em que sentido? É uma metáfora? É um código?
Interpreta, traduz, decifra, o quê?”
Agora é tarde. Antes ele olharia você nos olhos e falaria claramente. E, dada a
mensagem, ele desapareceria, e o mundo seria uma estrada para o seu coração.
Hoje você diria – “olha, precisamos conversar com mais calma um dia, me liga! Me
liga!”
(Luis Fernando Veríssimo)
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