Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que
lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles. A amizade é um sentimento
mais nobre do que o amor. Eis que permite que o objeto dela se divida em outros
afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
E
eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus
amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!
Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha
vida depende de suas existências.
A alguns deles não procuro, basta-me saber que
eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. É
delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os
procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me
são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles
fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí.
E me envergonho, porque
essa minha prece é em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto
do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico
diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de
mim, compartilhando daquele prazer.
Se alguma coisa me consome e me envelhece é
que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando
comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e,
principalmente os que não desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus
amigos! A gente não faz amigos, reconhece-os.
(Vinícius de Moraes)