Há muitos anos,
Neimar de Barros visitou minha terra natal, Sant'Ana do Livramento. Fez
uma palestra na igreja Nossa Senhora do Rosário, a qual minha família
freqüentava. Na fria noite de um sábado de agosto, os bancos todos
estavam lotados e ainda havia gente em pé ao fundo do amplo templo. Todos
queriam ouvir o homem que escrevera o livro Deus Negro. E lá estávamos
nós: meu pai, minha mãe e eu.
Ao entrar, sob acalorados aplausos, Neimar pediu silêncio e antes de
iniciar o que iria falar naquela noite, disse:
- Senhores, ao chegar aqui, encontrei um casal muito humilde. Eles são do
interior, não têm parentes na cidade e vieram em busca de um emprego que
foi prometido ao marido. Ela está grávida e eles não têm dinheiro para
pagar um hotel. Precisam ficar na casa de alguém, até segunda-feira.
Qualquer espaço serve. Quem de vocês poderia recebê-los?
Fez-se um silêncio profundo...
Lembro do olhar trocado entre meus pais. Ele ergueu a mão e disse que
poderiam ficar na nossa casa.
Neimar olhava ao redor como se não tivesse visto o gesto e ainda
esperasse pela manifestação de outra família. Ninguém mais levantou a
mão. Então o palestrante virou-se para onde estávamos sentados e disse:
- Após a conversa que terei hoje aqui, por favor, venham falar comigo.
Neimar discorreu sobre solidariedade, fé, amor ao próximo e muitos
outros assuntos que aqueciam nosso coração e nos faziam pensar em como
podíamos ser melhores. Sensibilizou com suas palavras até os corações
mais duros.
Antes do final da palestra, chamou-nos até onde estava, abraçou-nos
longamente e colocou-se entre nós.
Por fim, falou a todos os presentes:
- O casal que lhes falei são Maria e José. Apenas esta família, entre
tantas aqui presentes, acolheria o menino Jesus.
Nunca esqueci desse fato. Hoje me pergunto se eu seria capaz do gesto de
meus pais...