Queria apenas tentar viver aquilo que brotava espontaneamente de mim. Por que isso me era tão difícil? (Herman Hesse)

 



A Dor

Dez horas da noite. Volto para casa após um dia cansativo. Minha família me espera como todos os dias. Da janela do ônibus, meu olhar vagueia, perdido no espaço sem horizonte, sem uma imagem, sem limite. Minha mente não fixa nenhuma idéia, como uma pena levada pelo vento, sem destino ou parada, simplesmente solta.

De repente, casualmente, fixo meu olhar desprevenido em algo que me fez tremer de pavor, tristeza, remorso, um misto de sentimentos que não sei defin
ir. Talvez angústia? Não, realmente, não sei. Só uma coisa tenho certeza: Eu vi a face da dor!!! E ela doía e doeu em mim ver a sua dor.

Sua testa franzida formava vincos fundos. Seus olhos marejados com lágrimas que insistiam em não cair. Sua boca se movia sem ruídos, sem palavras, expressando como que um pedido de socorro, uma súplica. Seu rosto contraído era o próprio grito da alma torturada. E ela doía e doeu em mim ver a sua dor.

No sinal fechado, a dor vagava por entre os carros mostrando sua face para todos, estendendo sua mão a pedir, não apenas um trocado para comprar um pão, não, mas um olhar de misericórdia, talvez. Alguém que lhe desse um sorriso, se é que alguém poderia diante da sua expressão fazer sequer uma menção de sorrir. Preferiam não ter que passar por aquela situação, e com seus dedos em riste, numa frieza mais triste ainda, talvez usada para se proteger, negavam qualquer compartilhamento, qualquer troca, para que a dor pudesse quem sabe se sentir um pouco humana. Quem sabe? E ela continuava doendo, e doía em mim ver a sua dor.

E durante a eternidade que dura os minutos entre o fechar e o abrir de um sinal de trânsito, pude presenciar o desespero da dor, que, diante de tantos nãos, se encosta em um muro frio, úmido e chora.

Eu vi a dor chorar. Um choro que não se descreve, por falta de palavras que possam fazê-lo. O choro da alma torturada. O choro do abandono. E o mais triste de tudo, a dor era uma criança. Uma criança igual aquela que, em casa, me esperava dormindo entre os seus brinquedos, agasalhada, linda, protegida.

O sinal abriu e eu segui com a imagem da dor na minha retina, ou melhor, na minha alma. Ao chegar em casa, corri e beijei a criança que dormindo tranqüila me esperava e falei: felicidade, a dor vaga lá fora.


Bom dia!!!

Rubens Filho

 

 
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