Dez horas da noite. Volto para casa após um dia cansativo.
Minha família me espera como todos os dias. Da janela do
ônibus, meu olhar vagueia, perdido no espaço sem horizonte,
sem uma imagem, sem limite. Minha mente não fixa nenhuma
idéia, como uma pena levada pelo vento, sem destino ou parada,
simplesmente solta.
De repente, casualmente, fixo meu olhar desprevenido em algo que
me fez tremer de pavor, tristeza, remorso, um misto de
sentimentos que não sei defin
ir. Talvez angústia? Não,
realmente, não sei. Só uma coisa tenho certeza: Eu vi a face
da dor!!! E ela doía e doeu em mim ver a sua dor.
Sua testa franzida formava vincos fundos. Seus olhos marejados
com lágrimas que insistiam em não cair. Sua boca se movia sem
ruídos, sem palavras, expressando como que um pedido de
socorro, uma súplica. Seu rosto contraído era o próprio grito
da alma torturada. E ela doía e doeu em mim ver a sua dor.
No sinal fechado, a dor vagava por entre os carros mostrando sua
face para todos, estendendo sua mão a pedir, não apenas um
trocado para comprar um pão, não, mas um olhar de
misericórdia, talvez. Alguém que lhe desse um sorriso, se é
que alguém poderia diante da sua expressão fazer sequer uma
menção de sorrir. Preferiam não ter que passar por aquela
situação, e com seus dedos em riste, numa frieza mais triste
ainda, talvez usada para se proteger, negavam qualquer
compartilhamento, qualquer troca, para que a dor pudesse quem
sabe se sentir um pouco humana. Quem sabe? E ela continuava
doendo, e doía em mim ver a sua dor.
E durante a eternidade que dura os minutos entre o fechar e o
abrir de um sinal de trânsito, pude presenciar o desespero da
dor, que, diante de tantos nãos, se encosta em um muro frio,
úmido e chora.
Eu vi a dor chorar. Um choro que não se descreve, por falta de
palavras que possam fazê-lo. O choro da alma torturada. O choro
do abandono. E o mais triste de tudo, a dor era uma criança.
Uma criança igual aquela que, em casa, me esperava dormindo
entre os seus brinquedos, agasalhada, linda, protegida.
O sinal abriu e eu segui com a imagem da dor na minha retina, ou
melhor, na minha alma. Ao chegar em casa, corri e beijei a
criança que dormindo tranqüila me esperava e falei:
felicidade, a dor vaga lá fora.
Bom dia!!!