"Longa é a viagem rumo a si próprio,         
inesper
ada é sua descoberta." -
Thomas Mann           

 


 
 



                       
  Os presentes eternos

- Isso é verdade, ou o senhor só escreveu no quadro porque é uma frase de efeito?
- O quê? - perguntei sem levantar os olhos da mesa.
- Aquele dizer: "Se você pensar em alguma coisa que quer e acreditar que vai tê-la é capaz de conseguir."

Levantei os olhos e vi o rosto de Paul, uma das pessoas de quem eu mais gostava, mas certamente não um dos meus melhores alunos.

- Bom, Paul - eu disse -, o autor dessas palavras, Napoleon Hill, as escreveu depois de anos de pesquisa sobre a trajetória de grandes homens e mulheres. Ele descobriu que esse conceito, afirmado de muitas maneiras diferentes, era a única coisa que todos tinham em comum. Júlio Verne disse isso de outra maneira, ao afirmar: "Qualquer coisa que a mente de um homem puder imaginar, a mente de outro homem pode criar."

- O Senhor quer dizer que, se eu tiver uma idéia e realmente acreditar nela, posso fazê-la acontecer? - Ele fez a pergunta com uma intensidade que atraiu toda a minha atenção.
- Pelo que tenho visto e lido, Paul, isso não é uma teoria, mas uma lei que tem sido demonstrada ao longo da História.

Paul enterrou as mãos nos bolsos de trás da sua calça Levi's e ficou andando em círculos pela sala, lentamente. Então virou-se e me encarou com uma energia nova:
- Sr. Schlatter - disse ele -, durante toda a minha vida fui um aluno abaixo da média e sei que isso vai me custar caro mais tarde na vida. E se eu pensasse em mim como bom aluno e acreditasse de verdade... se acreditasse que até mesmo eu poderia conseguir isso?
- É, Paul, mas você tem que saber o seguinte: se acreditar de verdade, vai agir para isso. Acho que existe um poder dentro de você que vai fazer maravilhas para ajudar, contanto que você se comprometa.

- Como assim, me comprometa? - perguntou ele.
- Bom, existe uma história sobre um padre que pegou o carro e foi até a fazenda de um membro de sua congregação. Admirando a beleza do lugar, ele disse: "Clem, você e o Senhor sem dúvida criaram uma coisa muito linda aqui."

- Para resumir, Paul, Deus nos dá a madeira, mas temos que acender o fósforo.

Seguiu-se um silêncio cheio de reflexão.
- Tudo bem - disse Paul - Vou fazer isso. Até o final do semestre, vou ser um aluno B.

Já estávamos na quinta semana do semestre e, na minha aula, a média de Paul era D.
- A montanha é alta, Paul, mas eu também acredito que você pode conseguir o que acaba de se propor. - Nós dois rimos e ele saiu da sala para almoçar.

Durante as doze semanas seguintes, Paul me proporcionou uma das experiências mais inspiradoras que um professor pode ter. Começou a fazer perguntas inteligentes e desenvolveu uma intensa curiosidade. Passou a arrumar-se melhor e a ter mais firmeza na forma de caminhar. Aos poucos, sua média foi subindo e era possível ver sua auto-estima começando a crescer. Pela primeira vez na vida, os outros alunos passaram a lhe pedir ajuda. O encanto que eu percebia em Paul desabrochou completamente.

Finalmente veio a vitória. Em uma noite de sexta-feira, sentei-me para corrigir uma prova importante sobre a Constituição. 
Fiquei olhando para a prova de Paul durante um bom tempo antes de pegar minha caneta vermelha para começar a corrigi-la. 
Não foi preciso usar a caneta. Era uma prova perfeita, sua primeira nota máxima. Telefonei para meus colegas para contar a novidade.

Naquela manhã de sábado, fui de carro até o colégio para um ensaio de Siga o Sonho, a peça que eu estava dirigindo. 
Entrei no estacionamento com o coração leve e acenei para Kathy, protagonista da peça e uma das melhores amigas de Paul. Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Assim que saí do carro, ela correu na minha direção e se jogou em cima de mim, soluçando. Depois, me contou o que tinha acontecido.

Paul estava na casa de um amigo e os dois descobriram a coleção de armas "descarregadas" do pai do garoto. Começaram a brincar. Em determinado momento, o amigo apontou uma arma "descarregada" para a cabeça de Paul e puxou o gatilho. Paul morreu na hora, com uma bala no cérebro.

Na segunda-feira, um inspetor chegou trazendo o boletim de Paul. No lugar em que devia estar a média geral havia um quadradinho ao lado do qual estava escrito "desnecessário".

"Isso é o que a direção do colégio acha", pensei comigo mesmo, enquanto marcava um enorme A no quadrado. Virei as costas para que a turma não visse minhas lágrimas. Paul tinha merecido aquela nota e ela estava ali, mas Paul, não. As roupas novas que ele tinha comprado com o dinheiro ganho como entregador de jornais ainda estavam no seu armário, mas Paul não estava mais ali. Seus amigos, suas notas, seu prêmio de futebol estavam ali, mas Paul, não. Por quê?

Nesse momento me vieram à cabeça e penetraram no meu coração as palavras de um antigo poema: "Constrói para ti outras mansões soberbas, alma minha. " Percebi que Paul não deixara tudo para trás. As lágrimas começaram a secar e meu rosto se abriu num sorriso, ao imaginar Paul ainda pensando, ainda acreditando e ainda conseguindo, com sua recém-desenvolvida curiosidade, disciplina e auto-estima incorporadas para sempre ao seu ser.

Ele nos deixara uma grande quantidade de riqueza. 
Do lado de fora da igreja, no dia do enterro, reuni os alunos de teatro à minha volta e anunciei que os ensaios começariam no dia seguinte. em homenagem à memória de Paul e de tudo que ele havia nos deixado, era hora mais uma vez de seguir o sonho.

Bom dia!!!

Tradução de Fernanda Rangel de Paiva Abreu. do texto de Jack Schlatter

 

 
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