Certa vez uma amiga, professora da 4ª série, numa época em
que não se falava ainda sobre alfabetização emocional,
alfabetizava com maestria os seus pequenos alunos.
Um dos seus meninos foi vítima da paralisia infantil e vivia
numa cadeira de rodas. Certa vez ela deu à classe a tarefa de
fazer uma composição sobre algo de que eles muito gostassem.
Ao corrigir os trabalhos, minha amiga manchou algumas folhas
com suas lágrimas, mas houve uma que ela quase estragou,
tantas foram as lágrimas que ela derramou sobre o papel. Da
parte que ainda estava intacta, pude ler:
"... gosto muito de bicicleta, mas não posso andar com
ela. Dos meus sapatos eu gosto, mas eles estão sempre limpos
e não se gastam. O que eu gosto mesmo, e quero prestar-lhe
homenagem, é a minha cadeira de rodas. Você, minha cadeira,
parece tão feia para quem não te conhece como eu. Para mim
você é bonita. Suporta meus momentos de raiva, quando até
te espanco, ouve minhas confidências e deixa-se molhar com
minha lágrimas. Sim, eu choro.
Muitas vezes eu choro porque
quero correr, chutar bola, andar de bicicleta, excursionar
pelo mato, subir montanhas, nadar no riacho... Não posso
fazer nada disso, mas tenho um pouco de liberdade com você. Não
me esqueço quando você me ensinou o "faz de
conta", e se transformou numa nave espacial e fomos à
lua, Vênus e Marte e fizemos um tratado de paz com os seus
habitantes, garantindo-lhes que jamais seriam
agredidos..."
Depois, não dava pra ler mais. Na última linha, porém
consegui decifrar: "... primeiro odiei, hoje você faz
parte do meu corpo".
Fiquei pensando: tomara que todos nós fizéssemos um tratado
de paz com a vida, um tratado de não agressão. Vamos reagir
contra o mal, porém com muito amor.