Um pescador dirigia-se para seu barco, após uma noite mal
dormida, os peixes estavam cada vez mais escassos e ele temia logo
não ter como sustentar a numerosa família.
Ia assim matutando entre um passo e outro, até parar admirado: em
seu barco dormia a sono solto uma criança. Como fora parar aí
ele não sabia, pensou em sacudi-la mas sua mão ficou solta no
ar, as palavras lhe faltaram diante daquele semblante do qual se
desprendia tanta inocência.
Sentou-se ao lado do barco enquanto mergulhava em suas próprias
lembranças: um dia também fora criança, alegre, sonhadora
apesar de todas as adversidades da vida, seus risos infantis, as
molecagens com os colegas, ainda ecoavam em sua memória.
Bons tempos aqueles, mas a criança crescera e os sorrisos
murcharam, os dias alegres se esconderam, não tinha mais tempo
nem alegria nem mesmo para partilhar com os filhos. A molecada
fora chegando um após outro, o pão ficando cada vez mais difícil,
tentara ensinar-lhes o oficío mas , esquecera da alegria do coração.
Hoje se dava conta do quanto perdera.
Neste momento o barco sacolejou, a criança saltou assustada, já
ia escapar quando ele a deteve, o menino desculpou-se por ocupar o
barco sem permissão, ele apenas sorriu meio sem jeito e foi
soltando as palavras há muito atadas no coração:
- Hoje garoto me lembrei do que é ser criança, do que é ter a
alegria solta no fundo do coração, hoje reaprendi a ser pai e
vou levando comigo esta lição, vou partilhar com meus filhos além
do pão de cada dia, o pão que alimenta a alma, o pão da palavra
amiga, consoladora, pão que sai fresquinho do fundo do coração,
pois, um pai que não sabe amar seus filhos de verdade pode
dar-lhes tudo, mas este tudo de nada vale porque junto não está
o coração.
A criança olhou-o sem nada entender, depois foi se afastando de
mansinho deixando o pescador rodeado pelos filhos, que o cercavam
de todos os lados numa festa só...