Paulo,
Te mando esta carta de um lugar que não conhecia. Cheguei aqui há algum
tempo atrás, sem mesmo saber porque.
Cara que doideira, dancei geral.
Toda minha vida, você sabe, fomos de bar em bar, de festa em festa.
Fumando, bebendo, cheirando e tomando todas, era beleza pura!
Me lembro que fazia ouvidos môcos para advertências paternas, que davam
conta de que a farra acabaria mal.
Lembra, a gente nem se ligava naquilo!
Logo eu, garotão esperto, sarado, das praias da zona sul do Rio de
Janeiro, entrar numa furada? Para com isso!
Era o que eu respondia...
Vivi a juventude extravagantemente, usando de meu corpo, tal como mina,
para conseguir mais dinheiro para as bebidas e o tóxico.
Mas era a onda, o barato!
Aos trinta, conheci a decaída, a doença, a perda dos "amigos",
só você ficou comigo, mas fala sério, foi só porque você estava tão
doidão quanto eu.
Mesmo assim, seguia, tossindo tropeçando e sangrando, a zombar da
morte... até que dancei!
Hoje, depois de ter passado a pior fase, me encontro em melhor estado e
nesse momento, em que a lucidez, fica comigo mais que breves momentos,
pela mão deste amigo que te escreve, dito estas palavras desalinhadas.
Cheguei aqui, sem dar cobro de mim, após ter morrido, passei vários anos
ainda agarrado ao corpo malhado de praiano do Rio de Janeiro, curtido pelo
sal e bronzeado pelo sol de Ipanema e Leblon, Copa era muito caída pra
mim, você sabe.
Quando consegui acordar, me lembro que gritava e xingava a aqueles que tão
gentilmente tratavam de mim, comecei a relembrar os tempos em que a tumba
se fez minha morada, nela me contorcia ao ver meu corpo musculoso,
apodrecer, servindo de pasto aos vermes. Recordo que me assustei.
Mas, fora dele, procuro o convívio insano dos colegas de vida fácil, os
locais de folguedos e firulas novamente. Acercava-me daqueles que antes se
diziam amigos e que agora a mim dirigiam pesadas palavras.
Diziam uns:
- Foi bobeira, dançou de otário!
Outros falavam:
- Foi bem feito, o cara abusou...
Mas eu, simplesmente, sorvia deles seus eflúvios etílicos intoxicados
pelos barbitúricos e saciava minha dependência.
A festa continuava!
E de volta a cova, um dia, alguns benfeitores me resgataram a força da
carne putrefata, do corpo arrasado.
Foi muito tempo de preces, trabalho e cuidados, desses a quem hoje tanto
devo.
Já me sinto melhor, os amigos deste que agora escreve, oram e procuram o
mais que podem me ajudar, abnegados trabalhadores do bem!
Paulo, não conheci, ainda, esse tal de Jesus, mas tenho certeza de que
ele existe, pois, todos aqui, recebem de pessoas ligadas a Ele, recomendações
para tratamentos mais eficazes a serem ministrados em mim.
Rapaz, pouco a pouco, venho me recobrando, mas ainda sofro muito pelo mal
que causei a meus pais, que enfraquecidos pela idade, não mais podiam me
segurar com suas palavras.
Na vida, fiz o que achei melhor, optei pelos sentimentos e emoções mais
densos, mais pesadas, mas tão embriagantes.
Hoje, quando li na plaqueta da maca meu nome, acompanhado da inscrição
suicida, me desesperei e chorei muito.
Eu que dizia amar a vida provoquei e alimentei minha morte.
Se liga malandro, a bola da vez é você!
Um beijo deste teu brother,
Arthur
2408
Maktub