O
monólogo
Era uma oportunidade que não deixaria passar. Há muito tempo planejara
tudo, e finalmente as circunstâncias tinham sido favoráveis.
Trancou com chave a porta do quarto, guardou a chave no bolso. Dirigiu-se
ao telefone e ligou para a portaria do hotel, pedindo que não passassem
ligações até que avisasse.
Caminhou ate à cadeira. Sentou-se em sua frente, como há muito não
acontecia, e, sem vacilar, disse:
- Goste você ou não, queira você ou não, falarei agora tudo o que
venho calando nos últimos anos. E isto será um monólogo que você terá
que ouvir, e saiba que não aceitarei desculpas de qualquer natureza -.
Pequenas gotas de suor acomodavam-se em torno dos lábios, os quais, como
que prevendo o desenlace, tremiam como as cordas do violino,
imperceptivelmente.
- Tenho aturado as suas promessas de que amanhã será melhor; de que as
coisas serão como sonhadas. Tenho assistido impassível a todos os seus
fracassos, e tenho ouvido paciente os seus arrependimentos.
Simplesmente,
em poucas palavras, estou farta de você. Das mentirinhas, das falsas
esperanças. Isto simplesmente tem que acabar, pois não poderei mais
tolerar as idas e vindas, a falta de amor, a carência da esperança, a
ausência de todas as coisas que você sempre disse ter para dar e vender.
Não posso mais, entendeu!?
Esta última frase a disse gritando, mas logo, ao lembrar que não estava
em casa mas no quarto de um hotel, baixou o tom, mas a voz já não era a
mesma com que começara. A culpa, pensava, era da respiração
entrecortada, do calor, dos nervos, mas, principalmente, do ar de
indiferença com que era escutada. Bebeu um gole de água mineral, como
ganhando tempo para recuperar o equilíbrio, e depois continuou, como se
cada palavra que pronunciasse fosse uma sentença condenatória, um peso
que tirasse de cima da sua angústia existencial.
- Não posso mais, entendeu?... Não quero mais ser vítima dos seus
fracassos. Não permitirei nunca mais que faça o contrário do que disse
que faria. Que minta quando deve dizer a verdade; que fracasse quando tem
todas as armas para ganhar. Porque sabe muito bem quem é que sempre
sofreu as conseqüências dos seus atos. Quem paga sou eu; quem perde, sou
eu. E estou farta. Não e não. Nunca mais, ouviu? Nunca mais!
Ainda não terminara de pronunciar as últimas palavras, e agindo
incontroladamente, como que abrindo as comportas de uma represa que
estivesse a ponto de estourar, levantou-se fora de si, e tomada de uma urgência
inadiável , correu até à cama, onde estava a sua bolsa.
Alucinada, apanhou a pequena pistola, e, quase a queima-roupa, atirou
nele.
Antes mesmo de que o eco do tiro se apagasse, virou a pistola, e
apoiando-a no seu coração, fez o gesto definitivo, apertando o gatilho
por segunda e última vez.
Uma hora depois, estudando a cena do crime, o perito constatava:
- Foi morte instantânea. Não tenho a menor dúvida. Apenas não entendo
por que, antes de se matar, ela deu um tiro no espelho. A gente vê cada
coisa!