Leonilda
Leonilda era briguenta, irresponsável
e, principalmente, teimosa. Todos da redondeza evitavam muita
conversa com ela, pois qualquer
palavra mal empregada era completamente interpretada de outra
maneira.
Aparecia de repente nas festinhas e sempre queria ser a estrela.
As
poucas amigas se sentiam sem jeito de repreendê-la, mas não era bem quista, embora muito bonita, chamava a atenção, principalmente
pelos seus belos olhos, cabelos loiros compridos, bem tratados,
deixando no ar por onde passava aquele perfume gostoso de jasmim.
Orlando se encantava com aquela jovem, mesmo sabendo como ela era.
Era uma atração que ele mesmo não sabia definir. Suas irmãs já
o haviam alertado, mas foi embalde.
Começaram a se encontrar nas festinhas, depois em lugares ermos, e
aconteceu o desastre: Leonilda lhe comunica que estava esperando um
filho e não o queria de maneira alguma.
- Já imaginou o meu corpo como vai ficar? Você pensa que vou agüentar ficar em casa, olhando criança, suportar seus choros? Não, meu
caro, vou tirar esse empecilho de qualquer maneira.
- Leonilda, pense bem. Logo que eu puder, vamos nos casar.
Vamos ter
esse filho que Deus nos deu.
- Nada disso, não quero, e chorava copiosamente.
Orlando, com carinho e amor, conseguia fazê-la serenar um pouco.
Voluntariosa, não se conformava com a situação. Olhava para suas
companheiras brincando e rindo, e se sentia mais infeliz.
Se
maldizia por ter se enamorado de Orlando.
- Ah! se não fosse ele, eu não estaria assim...
Esquecia até que seus pais nada sabiam, e que seria uma grande
decepção para a família a notícia de que ela seria mãe.
Todos os seus encontros com Orlando não tinham mais graça. Se
portava como se ele, somente, fosse culpado. O coitado não sabia
mais o que fazer.
Havia arranjado mais um emprego para arcar com aquela
responsabilidade. Mesmo sabendo como era Leonilda, tinha adoração
por ela. Às vezes, ela se mostrava meiga e atenciosa, e outras,
agressiva.
Orlando, com paciência, contornava esse gênio impetuoso, pois ela
também gostava dele. Não era aquele amor que ele queria que fosse,
mas era o amor que ela nas suas extravagâncias podia oferecer.
Os meses passavam. As amigas achavam que Leonilda estava diferente.
Usava roupas diferentes, ela que gostava de roupas justas, mostrando
o corpo bem feito, usava agora blusões largos para disfarçar o seu
estado.
Era preciso contar aos pais, mas ela não tinha coragem. Orlando se
propôs a ir pedi-la em casamento. O Sr. Antônio, homem justo e
bom, de há muito já desconfiava de que algo fora do normal estava
acontecendo com a sua filha rebelde.
- Então, Orlando, você pretende casar logo?
- Sim, senhor, o mais breve possível.
- Mas... já tem casa, como você vai se arrumar? Sei que você não
ganha muito...
- Estou já com outro emprego e acho que vai dar certo. Gosto muito
de Leonilda e farei tudo para fazê-la feliz.
- Bem, meu rapaz; sei que você é um bom moço, de família
conhecida, esforçado e conseguiu o que nós não conseguimos: mudar
um pouco o gênio de Leonilda.
- Amo muito sua filha e espero que sejamos felizes.
Orlando não teve coragem de contar ao Sr. Antônio que Leonilda
esperava um filho. Saiu dali mais tranqüilo. Deitou mais cedo, pois
sentiu uma sonolência fora do comum.
Aos poucos foi sentindo que estava em outro lugar, numa região
desconhecida: vasta vegetação de um verde multicor. Não sabia
distinguir onde estava. Parecia um mundo novo, onde ele se sentia
leve e despreocupado.
Olhou para o seu corpo, para seu pijama e pensou:
- Estou é sonhando...
Mas era tão verdadeiro que não acreditava ser somente um sonho. À
distância, algumas crianças brincavam.
- Que bom, logo teremos um filho, gostaria que fosse tão lindo como
essas meninas.
Chegou mais perto. Uma menininha lhe chamou mais atenção. Chegou
mais perto ainda. Ela saiu do grupo e, carinhosamente, lhe disse:
- Orlando, gostaríamos que você recebesse bem nossa irmãzinha
Florinda. Será sua filha. Estamos felizes por você ter deixado ela
viver. Será o encanto de sua vida e fará com que Leonilda mude o
seu jeito de ser.
Orlando não acreditava no que ouvia. Como aquela criança sabia de
sua vida? Não contara nem mesmo para sua mãe...
Despertou de repente, com o coração batendo forte, mãos trêmulas,
pensamentos vários. De tudo se lembrava, principalmente do nome da
criança que seria sua filha: Florinda. . E seria mesmo esse o nome
que ela iria ter. Estava feliz.
Dois meses depois estavam casados. O Sr. Antônio havia lhes
presenteado com uma de suas várias casas. Agradecida a Deus por
tudo que estava recebendo e logo que Florinda nasceu, foi recebida
com muito carinho por Leonilda que, no decorrer de sua vida, dizia a
Orlando:
- Se não fosse você, eu teria matado a coisa mais preciosa de
minha vida, a razão do meu viver, Florinda.
(Livro Estórias que a Vida Conta de Rosa F.
de Carvalho)
1978