Vinham dois homens a caminhar...
Um era jovem, trazia em seu rosto os sinais da inexperiência.
Os olhos vivos e atentos a tudo, como a querer aspirar a vida em um só fôlego.
Tencionava modificar o mundo, revolucionar sua época, ensinar o muito que
julgava saber.
O outro trazia no semblante as marcas do tempo, já não queria tomar o mundo,
contentava-se em apreender um pouco, aqui e ali, analisando sereno, as experiências
que a vida lhe apresentava.
Tampouco desejava deixar suas marca nos homens e nas coisas que o rodeavam.
Não queria discípulos, nem seguidores, não pretendia modificar a ninguém,
a não ser seu próprio eu. Era cego de nascença, porém apesar de ter fechados os olhos do corpo, possuía
abertos os da alma.
Vinham em silêncio, quando o jovem, surpreso, exclamou:
- Uma pipa! Uma pipa no céu!
- Estás tão alegre em vê-la, ainda que distante. Porque? - perguntou o
cego.
- Claro, toda vez que vemos uma pipa, uma só idéia nos assalta a alma, a idéia
da liberdade. E qual de nós não valoriza a possibilidade de sentir-se livre?
- disse o jovem.
- Liberdade? Estranho; para mim a pipa tem outro significado.
- Outro significado? Como? Sabes o que é uma pipa?
- Sim, meu amigo, sei o que é uma pipa, papagaio, pandorga, como queira
chamar. Mas para mim, tal objeto traz-me a lembrança responsabilidade e
bom-senso.
- Não entendo...
- O exercício da liberdade é complexo e fundamental em nossas vidas. Como a
pipa, só podemos alçar vôos mais altos se a nos prender no solo, tivermos
um fio resistente e mãos hábeis que nos manipulem com acerto. Tais
instrumentos são a responsabilidade e o bom-senso. E só fazendo uso de tais
ferramentas que dirigem e orientam o nosso vôo, podemos ter certeza que
estamos fazendo bom uso da liberdade que nos é concedida.
É a segurança de
que a pipa precisa para subir... subir... Assim o limite para os nossos passos
não é o espaço que nos rodeia, mas o comprimento do fio que nos prende ao
solo, ou seja, a certeza que possuímos e de que estamos utilizando nossa
liberdade de acordo com as normas que nos ditam o bom senso e a
responsabilidade que já adquirimos. Muitas vezes, meu jovem, os olhos nos
enganam. Não basta vermos, é preciso, enxergamos além.
O jovem, deu o braço ao cego, calou-se e em seu silêncio, entregou-se à
reflexão.
O moço é o instinto primeiro; o velho é a sabedoria.
O instinto nos impulsiona, a sabedoria nos guia.
Maktub
1872