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Como podes?
Quando saías esta manhã de tua
casa levando pela mão o teu filhinho, fiquei admirando os seus sapatos novos,
o seu lindo capote de lã a sua pasta de couro cheia de livros e a farta
merenda que ele levava para o colégio.
Tu me olhaste com desprezo e seguraste o braço do teu filho, com receio que
ele me tocasse.
Pensaste, por acaso, no meu infortúnio, no meu abandono, nos meus pés descalços
e na minha roupa toda rasgada? Será que eu poderia contagiar seu filho?
É claro que te esqueceste imediatamente do incidente; subiste no teu automóvel
e te perdeste no tráfego louco da cidade, como se perdem sempre todos os meus
sonhos.
Ali, só e abandonado dei asas à minha imaginação e fiquei pensando:
Que
diferença existe entre mim e aquele garoto?
Temos mais ou menos a mesma idade, nascemos na mesma pátria; enquanto ele
joga futebol com bolas coloridas, eu chuto pedras; ele dorme agasalhado em sua
cama macia, e eu me deito no chão sobre jornais velhos; ele tem comida
gostosa e variada, e eu tenho que catar algo nas latas de lixo; ele vai ao colégio
para aprender a ler e escrever, enquanto eu vivo na rua aprendendo a roubar e
a me defender.
São essas, por acaso, as nossas diferenças? Será que a culpa é minha?
Será que sou culpado de ter nascido, sorrir sem saber quem é meu pai e tendo
por mãe uma mulher sofrida e ignorante?
Não fui eu que decidi não ir à escola e também não é minha culpa não
ter casa para morar e nem comida para me alimentar.
Alguém resolveu assim e
eu nem sei quem foi! Não posso culpar ninguém porque a minha ignorância nem
isso permite. Não posso sair desta situação sozinho, porque sou incapaz de
fazê-lo sem uma generosa ajuda. Então, como nada é feito, cada vez se
acentua mais a diferença entre mim e o menino que levavas pela mão.
No futuro ele será como tu. Um homem de bem e de conceito respeitado pela
sociedade. E eu? Serei um reles vagabundo que se torna ladrão e caminha em
direção ao cárcere.
É até possível que dentro de alguns anos o menino e eu, voltemos a nos
encontrar. Ele como Juiz de Direito e eu, como réu delinqüente, ele para
purificar a sociedade de tipos como eu, e eu para cumprir o meu desgraçado
destino; ele para julgar os meus atos, e eu para padecê-los.
Como posso ser condenado ao cárcere, quando jamais tive uma escola para freqüentar?
E quando fiz as coisas à minha maneira chega o peso da lei e a força da
justiça para me aniquilar?
Será que tudo isso é justo?
Amigo, não peço a tua mão pois ela é do teu filho; nem a roupa, nem a
cama, nem o livro e nem a comida que só a ele pertencem.
Somente te peço que quando me encontres na rua, sujo, esfarrapado e
abandonado, grava a minha imagem em tua mente e, se sobrar um minuto na tua
atribulada vida diária, meditas amigo...,
meditas... como me podes salvar??
Bom dia!!!
1845
Maktub
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