Em uma noite de rigoroso inverno, a campainha da casa
do
médico, daquela aldeia afastada, soou insistentemente. Sem
se demorar o atencioso clínico abriu cautelosamente a porta,
por causa do vento que soprava com violência, e verificou a
presença de um menino de uns oito anos de idade aproximados.
Estava com a cabeça enfaixada com um pano já
totalmente
ensopado de sangue e demonstrava sentir dores.
- Mas, meu filho, o que aconteceu com a sua cabeça?
Está
ainda sangrando!
- Bem, doutor, meu irmão e eu brincávamos
em cima do
celeiro; de repente, ele quis a peteca que estava na minha
mão. Eu, naturalmente, não a entreguei porque me pertencia.
Então, ele ficou muito irritado e me empurrou lá de cima e
eu caí do alto bem em cima de um velho tonel, que meu pai
havia colocado por ali, e feri a minha cabeça
na fita
metálica que o reforça.
O médico, pacientemente, o conduziu para o seu
pequeno
consultório. O exame, relativamente demorado, mostrou que no
ato da queda uma boa extensão do couro cabeludo abriu-se.
Todo o local foi muito bem lavado com água oxigenada; mas
foram necessários muitos pontos para recolocar a pele no seu
devido lugar. Em virtude da emergência do caso, não
foi
possível providenciar-se qualquer anestésico. Apesar disso,
o menino se portou com uma extraordinária
fibra. Ficou
quietinho, não chorou e nem gritou, apesar de toda a dor que
sentiu. Terminada a operação, o médico, surpreendído e até
emocionado com aquela tão grande coragem
do garoto,
ofereceu-lhe como prêmio um tablete de
chocolate.
Ao
entregá-lo, aconselhou-o dizendo:
- Olha, meu filho, enquanto caminhar de volta para casa, vá
comendo o chocolate. Isso fará com que recupere um pouco das
energias que perdeu. Entretanto, para surpresa ainda maior
do médico, o menino respondeu:
- Sim, doutor, muito obrigado. Vou comer; mas comerei apenas
a metade. O restante vou levar para o Renatinho.
Entre admirado e intrigado, o médico replicou de imediato:
- Mas escuta aqui uma coisa: esse Renatinho é o seu irmão?
- Sim, é ele mesmo o meu irmão gêmeo. O meu nome é Ricardo -explicou o menino.
- Até aí, tudo bem - concordou o médico, e continuou: - Mas
não foi ele quem o empurrou de cima do celeiro, depois de
querer sua peteca?
Com um brilho singular nos seus olhinhos,
o pequeno
respondeu com toda amabilidade e ternura tão próprias de uma
criança da sua idade:
- É verdade, doutor; mas mesmo assim ele é o meu irmão!
Que maravilhosa lição de amor deu o pequeno paciente ao seu
médico. Tantas vezes nos prejudicamos porque a nossa reação
natural é sempre a de desejar retribuir o mal com o
mal.
Seríamos também felizes se, como Ricardo, cultivássemos a
prática do perdão. Perdoar é obrigação. Não se faz nada de
extraordinário, quando se perdoa o ofensor.