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A Reconciliação
"Lembra-te de mim Senhor, quando entrares no teu
reino".
"Em verdade te digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso".
Diálogo mais estranho nunca se travou no mundo do que este, de cruz a cruz, entre dois moribundos.
"Lembra-te de
mim", quem pede apenas uma gota de amor no meio de um inferno de dores não é
homem mau. O homem intimamente
mau
maldiz os seus sofrimentos e os autores dos mesmos. O homem mesquinho pede
libertação dos tormentos ou aceleração da morte.
O ladrão na
cruz pede apenas uma lembrança, um pouco de amor. Pede uma migalha de aquilo
cuja falta o tornara celerado, perverso e cruel. Desde pequeno, queria ele ser
bom, mas os homens o fizeram mau, porque lhe negaram compreensão e amor. Deu um
passo em
falso e as leis dos homens o
condenaram como malfeitor, a companhia perversa do cárcere induziu a ser mau a
quem queria ser bom. E quando terminou a sua pena, andou pelo mundo com o
estigma de criminoso e nunca mais encontrou entre os "homens honestos"
quem lhe desse uma migalha de amor.
Arrastou-se pela existência noturna com a alma gelada duma
frialdade polar. Só na hora suprema da vida, no alto do patíbulo, encontrou
finalmente, um homem humano, seu companheiro de suplício. Encontrou um homem
que mais acreditava na sua alma do que nas maldades da sua vida. Encontrou um
homem que o amava e lhe queria bem.
E o "bom ladrão" sentiu uma tépida aura de
benevolência a envolver-lhe a gelada alma. E, por entre o degelo primaveril
desse olhar de amor, pediu ao colega de tortura que dele se lembrasse, à luz do
seu reino. Não pediu vingança para seus inimigos, não pediu alívio na atroz
agonia, pediu aquilo cuja falta fizera de sua vida um inferno: uma migalha de
amor! Uma lembrança apenas! Um pensamento carinhoso! Uma gota de amizade!
"Lembra-te de mim, quando entrares no teu reino".
E conseguiu na morte, de um moribundo, o que em vida jamais
conseguira dos vivos. E pelo pouco que pediu, recebeu o muito que não ousara
pedir: "Ainda hoje estarás comigo no paraíso".
Sobre as cabeças da multidão ululante trava-se então, de
cruz a cruz, entre dois moribundos, uma amizade sincera, sagrada e eterna.
Amizade entre um homem divino e um homem mau que queria ser
bom, e que se faz bom pelo amor de aquele que é, que foi e que será.
Hoje, ao lado do Cristo Glorioso há um homem Glorificado!
Maktub
1488 |
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