Sozinho mas não solitário,
quem tem fé nunca está sozinho.'
(Carlyle)

 

 

 


Nostalgia do futuro

Há pouco tempo assisti a um show da Rita Lee. Como sempre, nossa roqueira maior apresentou boas músicas e um espetáculo impecável. Rememorou rocks antigos e reviveu um pouco o tropicalismo fazendo loas ao ministro Gilberto Gil. Findo o show, fiquei com uma sensação meio esquisita. Fui acometido por uma nostalgia estranha. Não a dos velhos e bons tempos mas uma diferente – "a nostalgia do futuro". Uma melancolia das realizações sonhadas e prometidas pela nossa geração mas que não chegaram a se concretizar. Saudade não pelo que passou mas pelo que tinha de acontecer, deveria ter sido bom e não aconteceu. Os sonhos e as promessas feitas ao nosso povo e que não foram cumpridas.

Isso ficou na minha cabeça e me leva aqui a convocar os meus parceiros de geração, para juntos fazermos a contabilidade da turma. Vamos lá: acreditávamos que viveríamos em um País justo, com educação, segurança, moradia, terra e emprego para todos. Não aconteceu. Acreditávamos que viveríamos com eqüitativa distribuição de riquezas, rodaríamos em boas estradas, teríamos boas escolas, bons hospitais, policiamento e justiça. Não aconteceu. “Opa!” – alguém poderá dizer: “Você está somando só a coluna dos débitos. Muita coisas boas também ocorreram desde a nossa época.”

Concordo. Houve avanços significativos em alguns assuntos, principalmente os ligados aos bens materiais. A camada mais pobre, por exemplo, hoje compra mais e tem vários itens de conforto em casa. A classe média alta tem acesso a regalos de País de primeiro mundo. Mas, o que quero enfocar aqui são os valores essenciais à boa convivência humana: educação, civilidade, respeito ao próximo, justiça e honestidade. Virtudes que deveriam ter sido desenvolvidas pelo nosso povo e que não foram. Não mereceram a atenção, no seu devido tempo, dos encarregados em cuidar do nosso País nas últimas décadas. Falo dos períodos da ditadura e pós-ditadura.

Não sei por que a citação do tropicalismo feita por Rita Lee me fez refletir sobre a desilusão das coisas não feitas, fruto da nossa incompetência. Ficou a percepção de que o sonho do brasileiro de bem com a vida, abastado, bem alimentado e feliz morreu ao final do show da cantora. O bom tropicalismo brasileiro, citado no perder dos tempos por Voltaire, que ganhou força em Mário de Andrade, impregnou Os Mutantes, Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Raul Seixas e deixou marcas em Cazuza, com o passar dos anos, por causa do descuido e transigência das nossas elites política e administrativa se transformou nessa “coisa”, imbecil, boba, chula e de mau gosto. Nessa cultura consumista e imediatista que traz consigo, para se autofinanciar, essa necessidade enorme de corrupção. Um perigoso hábito ao qual estamos nos acostumando e que até já achamos normal.

Sonhávamos com o brasileiro cordial e ele hoje só sabe assaltar, matar, seqüestrar, roubar tênis de meninos, profanar salas de aula... Os mais espertos e refinados na arte do furto do dinheiro público transferem o saque da corrupção para paraísos fiscais e, ingênuos, fazemos “vista grossa” e os reelegemos tantas vezes quantas forem necessárias. Estamos levando a corda para os nossos carrascos nos enforcarem e ainda pagando por isso.

Alguns de nós, até que bem intencionados, travam batalhas enganadas e se colocam a lutar contra a globalização. Ora, se querem mesmo combatê-la, que digam não aos bonezinhos do Mickey, os falsos Rolex, as contas fantasmas, os ternos Armani e a opulência corporal e cínica dos nossos políticos. Rejeitem a desfaçatez e a cara de pau do corrupto nos jornais de TV. Mas negar mesmo e não apenas oferecer mídia fácil a mais uma CPI, propiciando que nome de deputado, que se diz moralista, apareça nos noticiários do dia-a-dia. Um falso teatro onde o fake impera e vira rotina ver político imitando o jogador Vampeta, que na sua malandragem chegou a dizer: “O Flamengo fingia que me pagava e eu fingia que jogava.” Políticos fingem que fazem CPIs. CPIs fingem que são realizadas e estamos conversados.

Nós que sonhávamos com justiça para todos, dela só recebemos o desejo das aposentadorias milionárias dos seus prepostos. Nós que prevíamos uma correta divisão de riquezas, montamos um sistema tributário injusto e sugador que tira o sangue de quem trabalha e dá para quem não trabalha, num verdadeiro salve-se quem puder. E novamente estamos vendo o garrote apertar mais e não reagimos.

Sentindo saudade de um País que não aconteceu sou acometido de uma profunda nostalgia do futuro. Aliás, a palavra nostalgia, na sua essência quer dizer: nostos, saudade da pátria e álgos, dor. Por isso, posso dizer que sinto saudade do Brasil dentro do próprio Brasil. Rita Lee, faça uma canção para nós, cante a saudade de um Brasil que não aconteceu. Somos da mesma idade e, você sabe do que estou falando: sonhos desfeitos, descrença na grande amiga de todos os brasileiros a falsária esperança.

www.rivalcir.com.br
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