Eu lecionei a todos eles
Tenho ensinado no ginásio por dez anos. Durante esse tempo eu
lecionei para, entre outros: um evangelista, um lutador de boxe,
um ladrão e um imbecil.
O assassino era um menino que sentava num lugar da frente e me
olhava com seus olhos azuis.
O evangelista era o mais popular da
escola, era o líder dos jovens entre os mais velhos.
O lutador de
boxe ficava parado perto da janela e soltava uma gargalhada
abafada, que até fazia gemer os gerânios.
O ladrão era um coração
alegre, diria libertino, sempre com uma canção jocosa em seus
lábios.
O imbecil, um pequenino animal de olhar macio, dócil,
procurando as sombras.
O assassino espera a morte numa penitenciária do Estado.
O
evangelista está enterrado, há um ano, no cemitério da vila.
O
lutador de boxe perdeu um olho num briga em Hong Kong.
O ladrão,
na ponta dos pés, pode ver da prisão as janelas do meu quarto.
O
imbecil, de olhar macio, bate com a cabeça na parede forrada, de
uma cela, no asilo municipal.
Todos esses, um dia, sentaram na minha sala. Sentaram e olharam
para mim, gravemente, das suas carteiras escuras e surradas.
Eu devo ter sido de grande ajuda para esses alunos... Eu lhes
ensinei o esquema encontrado nos versos alexandrinos e como
colocar em diagrama uma sentença completa.