Bom dia amigo/a

Tempo é aquilo que o homem está sempre tentando matar,
mas que no fim acaba matando-o.
(Herbert Spencer)



 

 

 






































 


 
 

 
                     Último dia

Naquela manhã, sentiu vontade de dormir mais um pouco. Estava cansado porque na noite  anterior fora deitar muito tarde. Também não havia dormido bem. Tinha tido um sono  agitado. Mas logo abandonou a idéia de ficar um pouco mais na cama e se levantou,  pensando na montanha de coisas que precisava fazer na empresa.

Lavou o rosto e fez a barba correndo, automaticamente. Não prestou atenção no rosto  cansado nem nas olheiras escuras, resultado das noites mal dormidas. Nem sequer  percebeu um aglomerado de pelos teimosos que escaparam da lâmina de barbear. "A vida é  uma seqüência de dias vazios que precisamos preencher", pensou enquanto jogava a roupa  por cima do corpo.

Engoliu o café e saiu resmungando baixinho um "bom dia", sem convicção. Desprezou os lábios da esposa, que se ofereciam para um beijo de despedida. Não notou que os olhos  dela ainda guardavam a doçura de mulher apaixonada, mesmo depois de tantos anos de  casamento. Não entendia por que ela se queixava tanto da ausência dele e vivia  reivindicando mais tempo para ficarem juntos. Ele estava conseguindo manter o elevado  padrão de vida da família, não estava? Isso não bastava?

Claro que não teve tempo para esquentar o carro nem sorrir quando o cachorro, alegre,  abanou o rabo. Deu a partida e acelerou. Ligou o rádio, que tocava uma canção antiga do
Roberto Carlos, "detalhes tão pequenos de nós dois..." Pensou que não tinha mais tempo  para curtir detalhes tão pequenos da vida. Anos atrás, gostava de assistir ao programa de  Roberto Carlos nas tardes de domingo. Mas isso fazia parte de outra época, quando podia se  divertir mais.

Pegou o telefone celular e ligou para sua filha. Sorriu quando soube que o netinho havia dado os primeiros passos. Ficou sério quando a filha lembrou-o de que há tempos ele não aparecia para ver o neto e o convidou para almoçar. Ele relutou bastante: sabia que iria gostar muito de estar com o neto, mas não podia, naquele dia, dar-se ao luxo de sair da empresa. Agradeceu o convite, mas respondeu que seria impossível. Quem sabe no próximo  final de semana? Ela insistiu, disse que sentia muita saudade e que gostaria de poder estar  com ele na hora do almoço. Mas ele foi irredutível: realmente, era impossível.

Chegou à empresa e mal cumprimentou as pessoas. A agenda estava totalmente lotada, e  era muito importante começar logo a atender seus compromissos, pois tinha plena convicção  de que pessoas de valor não desperdiçam seu tempo com conversa fiada.  No que seria sua hora do almoço, pediu para a secretária trazer um sanduíche e um  refrigerante diet. O colesterol estava alto, precisava fazer um check-up, mas isso ficaria para  o mês seguinte. Começou a comer enquanto lia alguns papéis que usaria na reunião da  tarde. Nem observou que tipo de lanche estava mastigando. Enquanto engolia relacionava os telefones que deveria dar, sentiu um pouco de tontura, a vista embaçou. Lembrou-se do  médico advertindo-o, alguns dias antes, quando tivera os mesmos sintomas, de que estava  na hora de fazer um check-up. Mas ele logo concluiu que era um mal-estar passageiro, que  seria resolvido com um café forte, sem açúcar. Terminado o "almoço", escovou os dentes e  voltou à sua mesa. "A vida continua", pensou, mais papéis para ler, mais decisões a tomar,  mais compromissos a cumprir. Nem tudo saía como ele queria. Começou a gritar com o  gerente, exigindo que este cumprisse o prometido. Afinal, ele estava sendo pressionado pela diretoria. Tinha de mostrar resultados. Será que o gerente não conseguia entender isso?

Saiu para a reunião já meio atrasado. Não esperou o elevador. Desceu as escadas pulando  de dois em dois degraus. Parecia que a garagem estava a quilômetros de distância  encravada no miolo da terra, e não no subsolo do prédio  Entrou no carro, deu partida e, quando ia engatar a primeira marcha, sentiu de novo o mal-estar. Agora havia uma dor forte no peito. O ar começou a faltar... a dor foi aumentando... o carro desapareceu... os outros carros também... Os pilares, as paredes, a porta, a claridade da rua, as luzes do teto, tudo foi sumindo diante de seus olhos, ao mesmo tempo em que surgiam cenas de um filme que ele conhecia bem. Era como se o  videocassete estivesse rodando em câmara lenta. Quadro a quadro, ele via esposa, o  netinho, a filha e, uma após outra, todas as pessoas que mais gostava. Por que mesmo não tinha ido almoçar com a filha e o neto? O que a esposa tinha dito à porta de casa quando ele  estava saindo, hoje de manhã? Por que não foi pescar com os amigos no último feriado? A  dor no peito persistia, mas agora outra dor começava a perturbá-lo: a do arrependimento. Ele não conseguia distinguir qual era a mais forte, a da coronária entupida ou a de sua alma  rasgando.

Escutou o barulho de alguma coisa quebrando dentro de seu coração, e de seus olhos  escorreram lágrimas silenciosas. Queria viver, queria ter mais uma chance, queria voltar  para casa e beijar a esposa, abraçar a filha, brincar com o neto...queria... queria... mas não deu tempo...  O tempo não espera.  Valorize cada momento de sua vida. Você irá apreciá-los ainda mais se puder dividi-los com alguém especial.


Texto do livro O Sucesso é Ser Feliz - Roberto Shinyashiki
 

 
 

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