Ainda era madrugada e eu estava
chegando ao aeroporto de Cuiabá,
onde permaneci por dois dias
realizando um trabalho para o
Ministério da Saúde.
No domingo, havia aproveitado
para conhecer os encantos e
mistérios da Chapada dos
Guimarães, e com isso havia
forçado um pouco os joelhos que
já não são tão bons como
antigamente, quando os utilizava
até para jogar futebol.
Estava com muita dor e com
limitação dos movimentos.
Na porta do aeroporto fui
abordado por uma criança
franzina que devia ter uns dez
anos e, aparentando ter dormido
ao relento, desejava um trocado
para comprar um pão. Convidei-a
para tomar um café comigo na
lanchonete do próprio aeroporto.
Pediu-me para comer uma pizza e
me acompanhou tomando um suco.
Conversamos um pouco sobre as
coisas da vida e depois nos
despedimos. Ela então me disse
uma coisa interessante:
- Moço, nunca tinha comido na
mesma mesa com uma pessoa
importante.
Acho que por estar de terno e
gravata ela me confundiu com
alguma "autoridade".
Passei o dia trabalhando e cada
vez mais maltratando os joelhos.
No final da tarde retornei com
dificuldade ao aeroporto,
ajudado por amigos que
carregaram a minha bagagem, e
fui para a sala de embarque
aguardar a chamada de meu vôo
pensando no desconforto da
classe econômica, onde os
espaços estão cada vez mais
reduzidos e nem sempre sobra
espaço para as pernas. Meu irmão
Murilo costuma dizer que o
projetista da classe econômica é
o mesmo da "Sardinha Coqueiro".
De repente, ouço meu nome sendo
chamado para comparecer ao
portão 4. Levantei com
dificuldade e para lá me dirigi.
Ao chegar fui informado que a
Varig havia mudado o meu assento
e que a viagem seria, sem custos
adicionais, pela classe
executiva. Aceitei sem nenhuma
objeção, é claro, e ainda
brinquei com o funcionário
dizendo que ele havia adivinhado
a minha limitação física naquele
dia.
Voltei para o meu lugar, mas
fiquei pensando sobre o
ocorrido, e uma pergunta me veio
a cabeça: por que eu? Naquele
vôo havia mulheres, crianças de
colo, pessoas idosas e muitas
autoridades, e eu havia sido o
escolhido para aquele presente.
Como gostaria de entender o
porquê!
Durante o vôo, aproveitando das
mordomias da classe executiva,
senti-me como uma pessoa
importante (uma autoridade).
Imediatamente, recordei-me da
criança que havia encontrado no
aeroporto de Cuiabá e lembrei-me
do rosto desfigurado do meu
Deus. Tive uma estranha sensação
de que ao meu lado estava aquela
criança, devolvendo o carinho e
a afeição que com ela havia
compartilhado pela manhã, e
recordei a frase que me disse na
saída: "moço, nunca havia comido
na mesma mesa com uma pessoa
importante". Só que ali, como
por encanto, "Ele" era a
autoridade e eu o convidado
especial.
Foi uma sensação tão estranha
que, de repente (e
discretamente), comecei a
chorar. A pessoa que estava ao
meu lado, percebendo o que
estava ocorrendo me perguntou se
tinha medo de viajar de avião. A
intenção do vizinho foi
suficiente para que eu voltasse
o pensamento para a realidade e,
como a minha fé é muito limitada
para entender certas coisas,
preferi seguir pensando que o
cansaço do dia havia despertado
a minha imaginação criativa e
que tudo não passava de uma mera
coincidência.
Obs.: hoje, quando escrevi essa
história, voltei a chorar e não
estava cansado.