Os Jardins
É comum se associar a lembrança de uma pessoa a
algo que a caracterize. Digamos, seja seu toque
pessoal. Dia desses, ao passarmos por um jardim
cheio de cores vivas, fomos surpreendidos por
uma frase partida dos lábios de uma senhora: Um
jardim tão bem cuidado me recorda minha avó. A
amiga que a acompanhava logo indagou do porquê.
A continuidade do diálogo, cujas frases nos
chegavam com clareza, trazidas pela brisa mansa
nos surpreendeu. Minha avó, dizia, passou sua
vida a plantar flores. Recordo-me da infância e
do bangalô de minha avó. Quase não havia terra
para plantar.
A construção era nova e o local mais parecia um
campo de batalha que as minas tivessem revolvido
e deixado em total desalinho.
Pois minha avó não desanimou. Com pedras
desenhou retângulos no solo, afofou a terra,
preparou-a e plantou suas amadas roseiras.
Jardins eram a sua marca registrada.
A senhora alongou o olhar na distância, como a
revolver a saudade na terra do coração e
prosseguiu: Era uma pessoa excepcional minha
avó. Já mais idosa, os filhos optaram por
colocá-la em um apartamento. Mais segurança,
diziam, menos trabalho. Afinal, eles temiam o
peso dos anos naqueles ombros já não tão fortes.
Quando vi o apartamento, entristeci. Tinha uma
varanda sim, mas nem sombra de terra, onde ela
pudesse utilizar da sua mágica pessoal para
transformar em um pedacinho de céu perfumado.
Pensei que ela iria murchar. Imaginei-a a
fenecer, como flores ao sopro do inverno
rigoroso ou sob o sol escaldante do verão.
Qual não foi minha surpresa ao visitá-la, alguns
meses depois.
Levei-lhe um ramalhete de rosas multicoloridas,
contando alegrar-lhe o lar. Ela abraçou as
rosas, agradeceu e seu rosto se iluminou como em
êxtase. São lindas, querida. E perfumadas.
Depositou-as com cuidado sobre uma mesa,
tomou-me pela mão e levou-me até à varanda.
Naquele minúsculo espaço, a terra gentil
permitia brotar rosas de delicado perfume e
graça. As mãos mágicas de minha avó haviam
transformado um retângulo de cimento frio em uma
nesga de paraíso florido. Suas mãos acariciaram
as flores qual se o fizessem a um filho querido.
Depois, ela me reconduziu à sala, e mostrou um
troféu. As flores de sua varanda haviam sido
eleitas as segundas mais belas de toda a cidade.
Transformar a terra inculta em um oásis de
beleza ou deixá-la entregue às ervas daninhas e
espinheiros é opção pessoal. Assim nos jardins
das nossas vidas. Podemos ser indiferentes e
ociosos, relegando tudo ao descaso, nada
realizando de bom, de belo, de útil. Ou podemos
optar por semear flores de alegria, rosas de
ventura. Quiçá apenas umas tímidas violetas de
discreto perfume.
Contudo, não sejamos dos que erguem espinheiros.
Tornemo-nos jardineiros cuidadosos a fim de que,
pelas veredas por onde transitarmos, deixemos o
perfume e a beleza das nossas ações. Semeando
estrelas, seremos convidados a espancar trevas.
Semeando esperanças, haveremos de nos tornar
luzeiros para corações entristecidos.
Onde quer que estejamos, sempre poderemos semear
as luzes do amor e da esperança. Seja você um
semeador dessa alegria que alimenta a alma.
Bom dia!!
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