As mudinhas
Eu era pequena ainda
quando um novo bebê chegou à nossa casa. Certamente devia alegrar-me com o
irmãozinho porém os cuidados e atenções com que nossos pais cercavam
encheu-me de ciúmes e muitas vezes chorava ao pensar que tinha perdido o
carinho antigo.
Vovô cultivava uma horta nos fundos de nossa casa. Em certo dia em que eu
estava mais envenenado de ciúmes do que nunca, ele me chamou. Fui ver o que
queria. Estava de cócoras junto a um canteiro onde semeara alface. As
mudinhas, de um verde muito tenro, brilhavam à luz daquela manhã límpida e
tranqüila.
Vovô, mergulhado no trabalho de separar, delicadamente, as mudinhas, não
parecia ter percebido a minha emoção. Ele me disse:
- Preste atenção! Estou separando as mudinhas e, depois, irei plantá-las no
lugar certo. Sabe, filho, o carinho é como a alface: precisa ser dividido
para crescer melhor. Quando eu era da sua idade gostava muito de minha mãe.
Fiquei rapaz e, um dia, conheci uma jovem, casei-me com ela e tivemos um
filhinho.
Depois veio outro e outro. Mas, cada um que chegava não tirava nem um
pouquinho do outro. 0 amor é uma coisa muito curiosa, quanto mais é dividido
mais cresce e mais forte se torna.
Seu pai e sua mãe estão ocupadíssimos com o bebê porque ele é pequenininho,
frágil e desamparado. Mas pode crer que o amor que tinham por você ainda se
tornou maior...
À medida em que eu via os pés de alface crescendo, belos e exuberantes, uma
nova alegria nasceu em meu coraçãozinho ciumento. 0 carinho de papai e
mamãe, dividido, crescia também, a cada dia, como aquela planta que tivera
de ser dividida para que uma muda não sufocasse a outra.
Muitas vezes, depois disso, quando me perturbava o desejo de posse
exclusiva, o canteiro de vovô parecia se retratar em minha mente, dando-me
uma nova perspectiva de paz e serenidade.
Quanto mais
dividido, mais forte e mais profundo se torna o amor.
Nunca pude me esquecer disso...