"A tecnologia moderna é capaz de realizar a produção sem emprego. 
O diabo é que a economia moderna não consegue inventar 
o consumo sem salário."
Hebert de Souza

 

Você é amado
Ela sentou-se na entrada, tentando lutar contra o vento cortante. Com um fino cobertor sobre os pés, pareceu pequena e vulnerável, mas eu sabia que deveria ser resistente - muito mais forte do que eu. Foi a única pessoa desabrigada nas ruas de San Francisco que não nos pediu dinheiro. Nunca, nem uma vez.

Quando pegamos nosso táxi na frente do hotel, nós a vimos pela primeira vez. Eu gostei dela porque não estava bebendo, ela não estava agressivamente pedindo dinheiro enquanto muitos outros desabrigados estavam.
Ela estava lendo. Agarrada a seu livro, tentava capturar a última luz daquele dia de inverno.

Pensei nela pelo resto do dia. Eu gostaria de saber o que a levou àquele jeito desolado e frio, de fome e de solidão. Eu me virava em nossa cama limpa e quentinha do hotel, sabendo que ela estava lá fora, em algum lugar, com nada mais do que um cobertor e um livro.

Cada vez que saíamos do hotel, nós a víamos em um ponto diferente, sempre sozinha e lendo seu livro. Nunca respondeu ao meu carinhoso "Olá!" e eu percebi que ela queria apenas ser deixada sozinha.

Certa noite, quando voltávamos ao hotel, meu marido e eu conversamos sobre a mulher. Nós queríamos fazer algo por ela, mas não sabíamos como reagiria, já que nunca pediu nada e parecia confiar somente em si mesma. Mas, no fundo do meu coração, eu sabia que não poderia partir sem fazer algo.

Fiz uma rápida oração, pedindo a Deus que nos inspirasse. Antes de chegar ao hotel, encontramos uma loja de departamento e entramos para tentar encontrar o presente certo para nossa amiga.

Um par de luvas foi a primeira sugestão de meu marido. Encontramos um perfeito par de luvas vermelhas, grossas, de lã e sorrimos, sabendo que as mãos agora estariam aquecidas. Como era ávida leitora, o item seguinte em nossa lista foi uma boa lanterna e baterias extras. Adicionamos um pequeno banquete e fomos em busca do último presente que sabíamos que deveríamos dar. Nos dirigimos para a livraria e, mais uma vez, fiz uma rápida oração pedindo por orientação. Comprar um livro para alguém é realmente difícil, principalmente se você não tem idéia do que a pessoa gosta de ler. Quase imediatamente andei exatamente até o livro certo. Senti uma deliciosa emoção quando li o nome do autor, meu favorito, Maya Angelou. Suas histórias e poesias falam de épocas difíceis e de determinação e força interna. Eu sabia que alcançaria a alma daquela mulher e lhe traria conforto durante o amargo inverno que enfrentava.

Voltamos apressados ao hotel e lá estava ela, lendo seu livro, seus pés descansando sob o fino cobertor. Tentei o meu "olá!" e mais uma vez sem resposta. De algum modo eu sabia que seria um presente muito mais para mim do que para ela.

Subimos ao nosso quarto e rapidamente colocamos nossos presentes em um bonito saco de Natal. Escrevi uma dedicatória na capa do livro "Você é amada!". E fomos ao seu encontro na entrada do hotel.

Estava vazia.

Olhamos ao redor e não pudemos vê-la em nenhuma parte. Com lágrimas nos olhos, percebi que não deveria ter perdido tempo com embalagens. Andamos por muitas ruas e voltamos para o hotel sem termos encontrado a mulher. Onde ela estaria? Estaria congelando-se ou com medo? Eu não conseguia parar de pensar naquela mulher sozinha e perdida em uma cidade tão grande. Agora, tudo que eu poderia fazer por ela era orar.

Pelo resto dos dias em que ainda permanecemos na cidade, nós a procuramos. E nenhum sinal.

Algumas horas antes de partir, resolvi dar uma última volta no quarteirão.

E lá estava. Corri até ela, dei-lhe um sorriso e lhe entreguei nosso presente.

Ela pegou o saco e sem hesitação olhou o que tinha dentro. Ela olhava, alternadamente, para o saco e para mim
- Oh, Obrigado! Um presente de Natal. Obrigado!

Meio sem jeito, eu disse,
- Eu queria apenas que soubesse... Você é amada.

Ela ficou me olhando, surpresa e com lágrimas nos olhos, enquanto eu me afastava com as pernas tremendo.

Nunca me esquecerei daquela mulher que enfrenta a vida muito difícil com serenidade, dignidade e coragem. Espero que esteja em algum lugar aquecido e seguro e que saiba que é amada.

Nunca pediu nada, mas o que me deu permanecerá para sempre em minha vida.

Susan Farr Fahncke
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