A verdade é como um lustre. Todos na sala podem vê-lo, 
mas cada qual de um ângulo diferente.
(Peter Ustinov)






















 
                              A Presença do amor

Os passageiros do ônibus olhavam com compaixão a jovem mulher com a bengala branca enquanto ela cuidadosamente subia os degraus. Ela pagou a passagem e com suas mãos localizou o assento vazio que o motorista indicara. Então, sentou-se colocando sua pasta no colo e descansou a bengala contra a perna.

Fazia um ano desde que Susan, 34 anos, ficara cega. Devido a um erro de diagnostico medico havia perdido a visão e foi lançada repentinamente em um mundo de escuridão, raiva, frustração e pena de si mesma. Outrora independente, agora Susan estava condenada por essa tragédia do destino a tornar-se um fardo impotente, desamparada.
- Como isto pôde ter acontecido comigo? ela dizia, com o coração mergulhado em amargura.

Não importando quanto lamentasse ou rezasse, sabia que sua dor não poderia trazer de volta sua visão. Uma nuvem de depressão rondou seu espírito, outrora otimista. Cada dia, viver era um exercício de frustração e esgotamento.

E tudo o que ela tinha a que se agarrar era seu marido, Mark, um oficial da Força Aérea que a amava com todo seu coração.

Quando ela perdeu sua visão, ele a olhou e sentindo o desespero da esposa, determinou-se a ajudá-la a recuperar a força e confiança que ela precisava para tornar-se independente novamente. A experiência militar de Mark havia treinado-o para lidar com situações delicadas e ele sabia que aquela seria a mais difícil batalha que ele teria que enfrentar.

Finalmente, Susan sentia-se preparada para retornar a seu trabalho, mas como fazê-la chegar até lá? Ela costumava pegar o ônibus, mas agora estava muito amedrontada para andar pela cidade sozinha. Mark ofereceu-se para levá-la de carro diariamente, embora eles morassem no lado oposto da cidade. No principio, Susan sentiu-se confortada e isso satisfez a necessidade que Mark sentia de ajudar sua esposa cega que sentia-se tão insegura sobre executar as tarefas mais simples.

Logo, no entanto, Mark percebeu que isso não estava funcionando - além de conturbar o horário, ainda estava saindo caro. Ele admitiu a si mesmo que Susan teria que começar tomar o ônibus novamente. No entanto, apenas o fato de ter que mencionar isso a ela fez com que ele sentisse-se incomodado. Ela ainda sentia-se fragilizada e com raiva. Como ela reagiria?

Como Mark previra, Susan ficara horrorizada à idéia de ter que tomar o ônibus novamente.
- Eu estou cega!, ela respondeu amargamente. Como posso saber onde estarei indo? Eu sinto como se você estivesse abandonando-me!

O coração de Mark quebrou-se ao ouvir estas palavras, mas ele sabia o que deveria ser feito. Prometeu a ela que a cada manha e a cada noite ele a acompanharia até o ponto de ônibus, até que ela sentisse-se capaz de fazer por si mesma. E foi exatamente isso o que aconteceu.

Durante duas semanas, Mark vestiu seu uniforme militar e acompanhou Susan quando ela ia e vinha do trabalho. Ele ensinou-lhe como confiar em seus outros sentidos, especialmente na audição, para determinar onde ela estava e como adaptar-se a seu novo ambiente. Ele a ajudou a ser amiga do motorista de ônibus que poderia ajudá-la a encontrar um assento. Ele a fez rir, mesmo naqueles dias difíceis quando ela tropeçava nos degraus do ônibus ou derrubava sua pasta.

A cada manha, eles faziam o mesmo caminho juntos e Mark pegava um taxi de volta para seu trabalho. Embora essa rotina fosse mais cara e cansativa que a anterior, Mark sabia que era apenas uma questão de tempo até que ela pudesse pegar o ônibus por si só. Ele acreditava nela, na Susan corajosa que enfrentava qualquer desafio, a Susan que conhecera antes de ela ter perdido a visão.

Finalmente, Susan decidiu que estava pronta para experimentar a viagem sozinha. A manha de segunda-feira chegou e antes de partir, ela abraçou Mark, seu guia de ônibus, seu marido e melhor amigo. Seus olhos estavam molhados pela gratidão, paciência, lealdade e amor que ele lhe devotava. Ela disse tchau e pela primeira vez eles seguiram caminhos separados.

Segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira...cada dia ela pegava o ônibus sozinha e sentia-se muito bem.

Na Sexta-feira pela manha, Susan pegou o ônibus como normalmente havia feito desde o inicio da semana. Enquanto estava pagando a passagem, o motorista disse-lhe,
- Eu realmente a invejo.

Susan não tinha certeza se o motorista havia falado com ela. Afinal de contas, quem em sã consciência teria inveja de uma mulher cega que durante o ultimo ano estivera lutando para encontrar coragem para viver?
Curiosa, perguntou ao motorista:
- Porque diz que me inveja?

O motorista respondeu-lhe
- Deve ser muito bom ser tão cuidada e protegida como você é.

Susan não tinha idéia sobre o que ele estava falando e perguntou
- O que o senhor quer dizer com isso?

O motorista respondeu-lhe:
- A senhora sabe, todas as manhãs dessa ultima semana, um bonito cavalheiro num uniforme militar tem lhe observado enquanto a senhora sai do ônibus. Ele se assegura de que a senhora atravessa a rua de forma segura e de que entra naquele prédio comercial. Então, ele lhe lança um beijo, faz um aceno discreto e vai embora. A senhora é uma pessoa abençoada.

Lagrimas de felicidade rolaram pelo rosto de Susan, pois ela não podia vê-lo mas ela sempre sentiu a presença de Mark. Ela era realmente uma pessoa abençoada, pois ele havia dado-lhe um presente muito mais poderoso que a visão, um presente que ela não precisava ver para acreditar - o presente do amor que pode trazer a luz a qualquer lugar onde haja escuridão.

Tradução de Luciene Lima do texto de J.Malthi

Colaboração: luciley  Moura

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