Além do tempo
Seguiam à nossa frente. Passo
lento, cadenciado.
Mãos dadas. As cabeças nevadas e a lentidão do passo lhes
denunciavam a idade avançada.
Um homem. Uma mulher. um casal de velhos.
De mãos dadas, enamorados.
As mãos enlaçadas firmemente, como a dizer que um se
constituía no apoio do outro. Assim no físico, assim no afeto.
Ficamos a imaginá-los, na esteira do tempo, jovens, rindo e
correndo pelo parque, sob as bênçãos do sol.
Brincando no lago, jogando água um no outro, gargalhando.
Pudemos quase vê-los de forma nítida abraçados, quietos,
olhando enlevados
o concerto da primavera em flor, mãos
entrelaçadas,
cabeças apoiadas, tecendo sonhos e fantasias.
Terão imaginado quiçá que alcançariam esta idade, unidos?
São eles mesmos.
Atravessaram os anos e prosseguem apaixonados.
Casaram, tiveram filhos, passaram as mil dificuldades
de educar,instruir e amar a prole, renunciando
muito a benefício deles.
Quando os filhos se foram, um a um, como aves
de arribação, deixando o ninho para construir
o seu próprio e eles ficaram sós, souberam
retomar o enlevo dos primeiros dias.
O segredo dessa união sólida? O amor.
Só o amor tem o poder de atravessar os anos e se tornar mais
intenso.
Só ele pode enfrentar com dignidade o encarquilhar das mãos, o aparecimento
das rugas, o andar mais demorado.
Somente ele, porque possui lentes especiais, que transcendem o físico e
alcançam a alma.
Relação assim regida prossegue para além da vida corpórea.
Um parte como flor que fenece ao vento gélido e fica aguardando
o outro.Enquanto espera o amado, a sua é a tarefa de amparar, zelar
pelo que ficou nas estradas do mundo.
Nas noites de solidão, fala-lhe intimamente e insufla-lhe coragem para
não se abater ante os percalços que lhe faltam vencer.
Aguarda-o, no mundo espiritual, como o noivo espera a amada, em dia festivo. E
quando finalmente chega o dia da partida, prepara-lhe a
chegada e o retoma nos braços em suave amplexo demonstrando
que o amor vence a dor o sofrimento e a morte.
Muitas almas que assim se amam na terra, intensamente, retornam mais tarde, em
nova roupagem, novamente unidos e porque se amam verdadeiramente, unem-se
outra vez para idealizar grandes coisas a
bem da humanidade.
É desta forma que encontramos casais unidos
na ciência, na arte, na devoção ao semelhante,
doando-se muito além do dever.
Tendo vivido o amor na sua essência mais
profunda aprenderam que quanto mais ele se
divide, mais se multiplica.
Continue dividindo..pois assim as coisas boas
dessa vida vão continuar se multiplicando
dentro de você...
1942
Maktub
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