A felicidade é um hóspede discreto do qual só se constata que ele existe quando está de partida  

 


                    
                      Solidão 

Nessa semana eu atendi o seu Pedro e a Maria.

Me assustaram, cada qual em seu horário, chegaram com 
a mesma reclamação:

Oi doutor, não agüento mais essa solidão, coisa que aperta o 
peito, que dá vontade de sair correndo pela rua ao mesmo tempo 
que ficar na cama, que faz olhar antigas fotos, cartas de gente
  que nem se sabe mais, ai doutor isso dói bem aqui, em um lugar 
que nem sei apontar".

Procurei nos compêndios médicos, nos tratados de psiquiatria, na 
internet, e nada, nem uma palavra, mesmo que sozinha, sobre 
essa doença chamada Solidão...  Não existe essa doença então.

Coisa boba que nem deve doer tanto assim, com certeza 
melhora com uma aspirina.
Posso ficar sossegado, sentado no sofá, vendo a noite 
que brilha através da janela.

Mas aí começa o meu problema, o incômodo,vira para cá 
e vira para lá, a música que toca não satisfaz, o quadro 
da parede não está tão bonito, eu olhando pela janela da cidade.

Cresci nessa cidade, da casa dos meus pais eu via um 
longe verde sem ter fim; de noite, da mesma janela, sem nenhuma 
esfumaçada dificuldade via-se a estrela predileta, aquela do pedido.

Hoje vejo outros pontos luminosos através do vidro, tantas janelas 
iluminadas por lâmpadas, pelo brilho da televisão; o que guardam
  esses pontos que só se encontram no meu olhar... pronto, peguei 
a doença... que só se encontram na minha solidão.

Guardam beijos, guardam brigas que já foram beijos, filhos
sendo feitos. Onde moram nessas estrelas amarradas nos prédios 
a Maria e o Pedro?

Guardam gente torcendo para o romance na novela dar certo,
enquanto a caixa de sapatos escondida no alto do armário
guarda a história de um outro romance, papel de bombom.

Guardam gente apostando nos vitoriosos que vivem no limite,
quando o limite às vezes está tão próximo...

Façam para ver, noite dessas, fiquem na frente do vidro,
com pouca luz e olhem: podemos nos ver, mas junto com a imagem 
do nosso rosto, cansado, sereno, rosto que for,  existe outra imagem, 
a dos outros lá fora, esses outros que ainda são apenas pontos 
luminosos na  cidade que cresceu rápido demais...

Toco o quem ainda não sei, toco os outros da novidade,
quem sabe também alguém me olha exatamente agora
 
Estrela minha, eu desejo... como uma estrela ainda por ser 
descoberta em súbito  encontro, em um inusitado "bom dia ".

Por vezes basta um pouco para esquentar uma luz esquecida,
de cor tão viva que se faça calor espalhando brisa...

Bom dia!!!


Maktub
2002/1507
      

 


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