Certa vez, há muito tempo, havia um palácio esplêndido, no coração de
um santuário secreto, cujo limiar não tinha sido jamais cruzado. Além
do mais, suas galerias eram quase inacessíveis aos mortais, pois o
palácio ficava numa nuvem muito alta, e muito poucos, em qualquer idade,
podiam achar o caminho até ele.
Era o palácio da Verdade.
Ali, um dia, foi realizado uma festa, não para homens mas para seres
muito diferentes, deuses e deusas, grandes e pequenos, que na terra são
honradamente chamados pelo nome de Virtudes.
O vestíbulo do palácio era uma grande sala, onde as paredes, o chão, o
teto, eram luminosos por si próprios, eram resplandecentes como um fogo
brilhante.
Era a sala da Inteligência. Próximo ao chão, a luz era suave e tinha o
tom de uma bela safira, mas tornava-se gradualmente mais clara em
direção ao teto, do qual giravam diamantes pendurados no candelabro.
As Virtudes vieram separadamente, mas logo formaram simpáticos grupos,
cheios de alegria por encontrarem-se, mais uma vez reunidas já que
normalmente estão dispersos por todo o mundo.
A Sinceridade reinava sobre a festa. Vestida num transparente manto, como
água clara, e segurava na mão um cubo de puro cristal, através do qual
as coisas podiam ser vistas como realmente são, distantes e diferentes do
que normalmente parecem, pois sua imagem está refletida sem deformidade.
Próximo a ela, como fiéis guardiães, estavam a Humildade, com seu jeito
respeitoso e orgulhoso, e a Coragem, grandiosa, olhar claro, lábios
firmes e sorrindo, com calma e ar resoluto.
Ao lado da Coragem, de mãos dadas, estava uma mulher, completamente
coberta por um véu, de quem nada podia ser visto, mas seus olhos curiosos
brilhavam através de seus véus. Era a Prudência.
Circulando entre eles, a Caridade, vigilante e calma, ativa e discreta,
deixando por onde passava uma trilha de suave luz branca. A luz que
espalha e a acompanha, tem um brilho tão sutil que é invisível para
muitos olhos, é seu amigo próximo, companheiro inseparável, sua irmã
gêmea, a Justiça.
E ao redor da Caridade, uma escolta brilhante, a Bondade, a Paciência, a
Gentileza e muitos outros.
Todos estão aqui, pensavam.
Mas então repentinamente, no portal dourado, um recém-chegado aparece.
Com grande relutância, os guardas dos portões permitiram sua entrada.
Nunca antes a tinham visto e não havia nada em sua aparência que
impressionasse.
Era de fato muito jovem e leve, e o vestido branco que usava era muito
simples, quase pobre. Deu alguns passos à frente com um ar tímido.
Então, aparentemente pouco à vontade, ela parou sem saber que direção
seguir.
Depois de uma breve troca de olhares com seus companheiros, a Prudência
vai em direção à estranha. Após limpar a garganta, como fazem as
pessoas quando estão embaraçadas, diz:
- Nós estamos reunidos aqui e todos sabem nossos nomes e méritos,
estamos surpresos com sua chegada, pois você parece ser estranha a todos
nós, ou pelo menos nos parece jamais ter-lhe visto antes. Você poderia
nos contar quem você é?
Então a recém-chegada respondeu com um suspiro:
- Não me surpreende o fato de lhes parecer uma estranha neste palácio,
pois raramente sou convidada à estar em um lugar como esse. Meu nome é
Gratidão.
Tradução de Sergio Barros
1852
Maktub