Qualquer destino, por mais longo e complicado que seja, vale apenas  por um único momento: aquele em que o homem compreende  de uma vez por todas quem é. (Jorge Luís Borges)

                                                    

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                   Os três fios brancos

Na residência de um certo orador sacro de grande prestígio e renome, apareceu numa tardinha de domingo um gracioso cachorrinho preto. 
A turminha miúda da casa fez amizade imediata com o animal fujão.

Notaram logo que na cauda do cachorro destacavam-se três fios de pêlo 
bem branquinho. tornando-o assim diferente de tantos outros cachorrinhos 
da mesma cor e tamanho que havia por ali.

Logo na semana que se seguiu, um anúncio no jornal da cidade chamou a atenção daquele orador. Lia se o seguinte: "Quem souber do paradeiro de um cãozinho preto, pequeno..." E, entre outras características mencionadas no anúncio, acrescentaram: "possui três fios de pêlo branco na cauda. Favor comunicar-se com o dono no endereço..." O recado era bem completo e não deixava a menor dúvida.

Relatando alguns anos mais tarde esse acontecimento, o grande e notável orador expressou com visível pesar: "Na presença dos meus filhos, cuja personalidade estava se formando em cada um, eu separei aqueles três fios 
de pêlo branco dos demais e com uma pinça os arranquei fora. 
A obra do engano e da desonestidade parecia perfeita. Nada seria notado. 

O dono do animal, no entanto, soube do paradeiro do cachorrinho em nossa casa e veio procurá-lo. Pertencia às suas crianças e elas o estimavam muito. Realmente, ele conservava a grande maioria das identificações descritas e, portanto, tinha quase tudo para ser reconhecido de imediato; assim, o dono
já ia levá-lo, quando lhe chamei a atenção:

- Meu senhor, na publicação que fez no jornal estava destacado em negrito o fato de que seu animal possuía três fios de pêlo branco na cauda, não é verdade?

Diante do meu lembrete, o dono em vão tentou encontrá-los e, não os achando, foi obrigado a deixar o cão que reconhecia ser o seu.

Esse orador, torturado pelo remorso tardio, afirmou, concluindo a narração: "Nós ficamos com o cãozinho, mas eu perdi os meus filhos para mim e para Deus. Eles não confiavam mais naquilo que eu ensinava em meus sermões 
ou lhes dizia particularmente. 

Tudo isso porque na sua presença não pratiquei aquilo que afirmava 
estar estruturada a minha fé, isto é a verdade e a honestidade".
Maktub
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