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A Harpa Mágica
Em um venerado mosteiro conservava-se uma harpa mágica, da
qual, segundo os antigos oráculos, brotaria uma melodia maravilhosa no dia em
que fosse dedilhada por um artista capaz de tocá-la devidamente.
Atraídos pelo oráculo e com a esperança de se tornar
famosos, muitos iam ao santuário, garantiam que eram grandes harpistas e pediam
para que lhes deixassem tentar tocar a harpa mágica. Mas todos fracassavam, do
instrumento só saiam os mais desagradáveis ruídos.
Tanto os monges que viviam no mosteiro como todo o povo do
lugar já haviam perdido as esperanças de que pudesse aparecer alguém capaz de
tocar aquele instrumento misterioso quando, um dia, apresentou-se ali um humilde
homem. Era um desconhecido, e ninguém imaginava que chegaria a conseguir aquilo
que tantos músicos célebres haviam fracassado.
Quando o homem começou a dedilhar o instrumento com
delicadeza, como se estivesse acariciando as cordas com os dedos, tinha-se a
sensação de que a harpa e o harpista haviam sido fundidos em um único ser.
Durante bastante tempo, que a todos lhes pareceu como um segundo, ouviram uma
melodia com a qual sequer poderiam ter sonhado.
Por fim, o homem acabou de tocar e devolveu com grande reverência
a harpa aos monges, estes maravilhados, perguntaram-lhe como conseguira tocar
aquela música com um instrumento do qual os mais famosos músicos não haviam
sido capazes de tirar sequer uma nota afinada.
Então o homem respondeu com grande humildade: todos os que
me precederam na tentativa chegaram com o propósito de usar a harpa para se
envaidecer. Eu, apenas me submeti inteiramente a ela e emprestei-lhe meus dedos,
para que não fosse eu a lhe impor minha música, mas que ela pudesse cantar
tudo o que leva dentro de si. Então, a madeira da harpa, que havia sido uma árvore
centenária vibrou para cantar o ritmo do sol e da lua, os resplendores da
aurora e do ocaso, a força do vento, o rumor da chuva, o silêncio das nevadas,
o calor do verão e o frio do inverno, a ilusão de tantas primaveras e a
tristeza do outono; em suma a história da própria natureza. E um instrumento
maravilhoso que não pode ser tocado por aqueles que estão cheios de si mesmos,
é preciso esvaziar-se diante da harpa para deixar que ela mesma toque a sua
melodia.
1470
Maktub
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